sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

Luz não apagada


Luz não apagada

Uma varanda calada,
uma única, solitária, isolada
Em vinte e tantos andares,
ela só, só ela, iluminada
Talvez só por isso mesmo
atraiu tantos olhares
(o meu, pelo menos)
Mas, havia alguém ali,
uma pessoa sentada
Talves até sentida
(porém, isso não vi)
Mas muito bem acomodada
estava ela
naquela bela
poltrona almofadada
Gente também isolada,
talvez incomodada
e não tão bem acomodada,
não conformada,
na vida.
Por que? Sabe-se lá,
como saber não há
Ou foi o saber da pessoa
muito bem assentada?
Seu de fato saber da vida?
O fato é que houve lá
uma grande festa
(pois isso se ouvia de cá)
e muitas pessoas lá passaram,
comemoraram, beberam, festejaram
Algumas até sentaram
naquelas poltronas almofadadas
No final ficou só a pessoa isolada
Aquela pessoa iluminada
na varanda solitária
Agora a pessoa também se foi,
talvez sentindo-se abandonada,
e não há mais nada
Além da poltrona almofadada,
apenas uma lâmpada não desligada

E, de repente, toda a solidão do mundo
estava ali, naquela bela varanda
semi iluminada

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Minha religião, minha igreja e minha fé


Celebrando mais um Natal, rezando a minha epifania.

Minha religião, minha igreja e minha fé
(versão 3.1)

Minha igreja é uma sala de aula e um quadro negro
Minha bíblia é um caderno com todas as páginas em branco
Minha religião é querer as pessoas pensando livre, leve e franco,
apenas intuindo, raciocinando, argüindo, discutindo e refletindo
Minha fé é que, cedo ou tarde, elas acabarão conseguindo

Minha igreja não tem paredes nem muros
e muito menos portas, janelas, arcadas e altares
Minha bíblia está escrita nas estrelas de orion a antares
Meus deuses são o sol, centaurus, as plêiades, sirius...
Minhas deusas são a lua, uranus, iris, luma, vênus...

Minha bênção é a terra, a água, as chuvas e os ventos
Meus anjos e santos? as plantas, as árvores e seus frutos
Meus demônios? pernilongos, baratas e marimbondos
(e minha vida não comporta mais engodos nem imbondos)

Minha religião não precisa de igreja
Minha igreja já demitiu todos os sacerdotes
Minhas crenças dispensam dogmas, doutrinas e dotes
Minha fé já derrubou todos os templos de tijolo, pau ou pedra

Queimei papéis de oração
Rasguei figurinhas de adoração
Quebrei totens e ex-culturas de veneração
Vivo agora em divino e zen estado de contemplação!

Pobres civilizações que ainda cultuam deuses artificiais
Danados homens que continuam erguendo catedrais
Infelizes mulheres que seguem rezando ladainhas
Tristes crianças que dormem adorando santinhas

O meu batismo, a minha emancipação,
a minha libertação e a minha cremação,
a cada dia, todo santo dia, se dão e se vão,
no fogo dos dias e nas cinzas de cada ano,
na minha obrigação e no meu ganha-pão,
na minha diversão e na minha boa danação,
e nada disso carrega qualquer “pecado profano”

Qual é a minha religião, a minha igreja e a minha fé?
Apenas o meu chão aonde ando titubeante,
onde tropeçam os meus pés
de mero caminhante.

by Brumbe © 2015, tentando recobrar a fé no mundo.

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Circo de Papel


Circo de Papel
(um pequeno conto-crônica sobre os primeiros escritos dela,
em papel pautado, espiralado, encadernado e não amassado!)

– Vô, vamos fazer uma história?
Ela abriu um dos seus livrinhos pra criança, só com figuras para colorir, e o assunto do livrinho era personagens, situações e coisas de circo. E isso me fez lembrar o que ela havia me perguntado há poucos dias a respeito de livros.
– Vô, qual o livro que você mais gosta?
E eu, depois de ficar meio espantado, abobado e atrapalhado, respondi que gosto de muitos. Mas, minutos depois, acrescentei que havia um que eu gostava de modo especial e que se encaixava bem na questão do momento da repentina e inusitada pergunta, que era “Alice no País das Maravilhas” (e eu até achei, na web, uma versão muito boa, resumida e adaptada, para crianças). Mas, isso já é uma outra história...
Esta história de circo, sua primeira história formalmente escrita em papel e que, conforme pode ser observado nas duas fotos da sinopse, em anexo, foi simultaneamente redigida em arabesco, latim, sânscrito, senegalês e mandarim, é a que vamos contar agora.
Porem, primeiro, vamos fazer um pequeno relato a respeito do processo de criação e produção da historia: cada linha escrita no bloquinho dela corresponde a uma página do livrinho, e eu só podia virar a página depois que ela completasse a historia de cada figura, escrevendo até o fim de cada linha – e ai de mim se eu quebrasse essa ordem, vinha bronca e esculacho geral!
– Vô, não vira ainda não!!! – Já tô acabando essa...
– Agora pode virar, Vô! – Agora, poooddeeee!!!
– O quê que será que vem agora?! – Vamos ver!!!
Era uma figura de palhaço, e eu dizia: Tá com chapéu vermelho cm uma fita amarela e uma flor verde encima e tem calça larga azul e camisa xadrez marron e branca e sapatões da cor de laranja madura, e é um palhaço que gosta muito de fazer palhaçadas. E ela completava: e a bailarina de vestido azul brilhante de princesa tá voando no alto com uma bolsa vermelha cheia de pipoca pra jogar pros meninos e pros passarinhos que moram na árvore amarela que tem lá atrás da montanha marron de terra verde da rua da pracinha que tem enfrente à casa da vovó branquinha.
E lá fomos nós, viajando em página por página do livrinho e em linha por linha do bloquinho, interpretando livre, alegre e levemente, traduzindo e transpondo, as figuras de um nas linhas do outro.
Eu: é uma foca cor de rosa com um chapéu de palhaço amarelo na cabeça se equilibrando encima de uma bola vermelha cheia de estrelinhas prateadas.
Ela: e o macaquinho amarelo doido com calça preta de papel e camisa de bóia azul pulou no rio do céu fazendo piruetas e cambalhotas pra roubar pirulito do menino verde de verdade que morava na floresta encantada de branco do coelhinho cinza da lagoa vermelha do sítio do jacaré fraquinho (porque não papava direito) e do leão fortão (porque comia um tantão).
E, assim, a gente foi saltitando, malabareando e trapeziando através das páginas daquele livrinho multicolorido e super divertido.
É o corajoso trapezista prateado saltando no ar azul...
É a linda fada azul colhendo balas de prata pras crianças...
E isso aconteceu assim simplesmente porque acontece assim nos ilustres e respeitáveis espetáculos circenses: às vezes mais vale o que viaja pela livre e pura imaginação do que o que se vê e se ouve na dita realidade (que, às vezes, é pura enganação).
É que, mais do que a bela e doce magia que os olhos vêem, os ouvidos escutam e a pele sente, vale também, e por vezes muito mais, o que o coração cria, a alma imagina e o espírito sonha.

Fotos: os primeiros escritos, em letras formais e convencionais, da Clara, aos quatro anos e menos um mês de idade.
O livrinho que inspirou essas historinhas dela: Colorir – vol. 2, com ilustrações de Pascale Junker – Editora Libris.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Do Arpoador ao Computador


Do Arpoador ao Computador

Às vezes, estou no computador
e sinto uma vontade danada
de ir pra pedra do Arpoador.
Ou, se já estou no Arpoador,
tenho uma necessidade urgente
de voltar pro computador.
Quando eu morava em Ipanema,
era um pouco diferente,
não tinha esse problema.
Ir e vir não causava tanta dor.
Mas, agora, moro no Leblon,
o que também é muito bom.
Porém, me trás esse dilema:
Como transitar, seja como for,
sem dorflex nem naldecon,
nesse vai e vem da dor?

by Brumbe © 2004, perdido nas areias
do canal do Jardim de Alah

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Degeneratum


Degeneratum

O teclado era bem diferente, mais largo e mais comprido, e com muito mais teclas, de tamanhos parecidos com as nossas, mas com muito mais símbolos e caracteres diferentes; tanto os que representavam "letras" quanto os representavam "números". Também, pudera, o sistema numérico deles era baseado no número doze (ou doze unidades de qualquer coisa), podendo ser chamado de sistema "dozemal", e não no nosso familiar, simples e querido sistema decimal (das dez unidades básicas com que efetuamos, há milênios, a contagem de qualquer coisa do nosso velho mundo). É que eles tinham doze dedos! Todos exatamente iguais aos nossos, apenas cerca de 20% mais longos, sendo seis em cada mão, também exatamente iguais às nossas. E em todo o resto do corpo eles eram muito semelhantes a nós, só que um pouco mais baixinhos e cabeçudos - Ah, e é claro, com seis dedos em cada pé, e, também, 20% mais compridos.    
Talvez, a causa primitiva, primordial, ou primatal, dessa diferença digital (dos quatro dedos a mais) se deva, naturalmente, ao fato de eles terem tido maior dificuldade, em determinado momento da sua trajetória evolutiva, não só para se locomoverem nas árvores como, também, para descer delas e caminhar com os dois pés no chão. Pois é fato, também, que as árvores deles eram bem maiores, galhadas, fechadas, truncadas e desengonçadas do que as nossas, o que prejudicava bastante o sucesso de qualquer bicho que quisesse subir ou descer delas - mas, isso já é uma outra história, que não vem aqui ao caso.
O caso, aqui, até agora, é que o Pedrinho não teve a menor dificuldade manual, digital, e muito menos mental e intelectual, para se adaptar rapidamente àquele estranho e alienígena teclado e a tudo o que estava por trás e à frente dele: seus códigos e seus processadores, seus softwares e seus hardwares. Mas, pensando bem, o quê um garoto de catorze anos, nascido no planeta Terra no ano da graça de 2001 dC, em pleno auge do primeiro salto tecnológico da era da informação do nosso mundo, não conseguiria fazer em qualquer outro mundo cibernético e altamente informatizado, mesmo sendo tecnologicamente mais avançado?!
Bastou aprender a linguagem básica formada por aqueles símbolos e sinais, e em menos de 24 horas (das nossas) ele já estava navegando nas redes deles! É claro que eles tinham sistemas de comunicação e informação muito mais avançados, rápidos e eficientes, como os SPTQSCESDIIs (Sistemas de Processamento e Transmissão Quântica de Saltos e Conexões Espaciais Supradimensionais, Intergrupais e Interpessoais); mas, como isso era muito pra cabecinha do menino - era como querer que alguém que só soubesse dirigir um fusquinha 1966, de repente sentasse no cockpit de um jato caça-bombardeiro F-18 e saísse voando perfeitamente. Assim, deixaram ele aprender brincando com os computadorzinhos ópticos de 750 anos (deles).
Aquilo era uma espécie de curso ou estágio escolar interplanetário avançado para conhecimento, convivência e sobrevivência junto a sociedades alienígenas tecnologicamente mais adiantadas - algo como o que Colombo deveria ter feito com os Astecas, ou Cabral com os Pataxós (mas, agora é tarde!) -, e era específico para alunos do 2º. Grau. Muitos colegas do Pedrinho também estavam ali, colegas de outras salas, salas da Indonésia, da Bolívia, do Japão, da frança, do Azerbaijão, da Groelândia, da Venezuela, e de várias outras salas. E apesar da coisa toda (chamemos, pra facilitar, de "curso intensivo") ter sido real, ter acontecido de fato, ao voltarem para casa os meninos e as meninas "instruídos" se lembrariam de tudo detalhadamente apenas como um grande sonho, ou pesadelo, que levariam pro resto da vida.
Naquele momento, todos estavam tendo aula de informática, processos e comunicação. Não pelo mérito e valor dessas disciplinas em si, mas, sim, porque era através delas e de suas teleredes que eles poderiam aprender e entender como aquele povo, aquela sociedade, e seus sistemas sociais, políticos, governamentais e institucionais funcionavam.
Depois de se familiarizar suficientemente com os principais programas, rotinas e aplicativos de acesso às redes sociais - melhor dizer: redes científicas, educacionais, culturais e artísticas -, Little Peter quis saber como reconhecer, prevenir e combater os ataques cibernéticos, principalmente, claro, os de vírus danosos aos sistemas, ou seja, como aplicar os antivírus de contra-ataque. Foi a única vez que o seu gentil e paciente guia-monitor quase teve um ataque de nervos por não saber responder! Acontece que isso de "vírus" cibernéticos, e muito menos "antivírus", simplesmente não existia nos sistemas computacionais deles, e jamais existiu antes, mesmo nos primórdios da sua primeira era digital.
Mas, o abnegado e dedicado guia-instrutor prometeu pesquisar o assunto na biblioteca planetária central que continha bilhões de trilhões de teragigabites de informação em arquivos óptico-quânticos com a história completa e detalhada de todos os planetas daquele sistema estelar, bem como de todos os sistemas, planetas e civilizações, semelhantes ou não à deles, com as quais já haviam mantido contatos mais estreitos (de 3º. Grau em diante); o que representava o astronômico montante de 849.652 planetas que já abrigaram civilizações que já desenvolveram algum tipo de tecnologia ou não, ainda ativas ou já extintas.
Quanto ao POR QUE?! da não necessidade de utilizar programas ou sistemas "antivírus", os resultados das pesquisas do dedicado e abnegado guia-professor investigador não foram nada satisfatórios, foram pífios, negativos, inexistentes. Eles, os aldebaranianos, não tinham e nunca tiveram necessidade disso! Vai ver, talvez essa desnecessidade se devesse a algum misterioso e insondável aspecto ou característica da sua educação e cultura deca-milenar, um princípio ético, um fundamento moral, há dezenas de milênios arraigado na mente e no espírito das pessoas, quem sabe?! Mas, a pesquisa apresentou um resultado colateral, "inesperado", que se adequou perfeitamente aos objetivos daquela aula que já era, então, a aula final:
Porém, antes de apresentar e explicar o tal resultado "inesperado", o sábio e tranqüilo guia-mestre começou fazendo uma explanação geral sobre a importância da Comunicação como base fundamental para a vida de qualquer sociedade, inclusive para a sua sobrevivência e continuidade, e sobre os Cinco Passos, ou Eras, da Evolução da Comunicação Física - não trataram dos níveis superiores de comunicação, das "Não Físicas", pois estavam muito além do escopo desse "curso intensivo" -, pelas quais TODAS as Civilizações Técnicas mais desenvolvidas e conhecidas por eles (cerca de 300.000!) inexoravelmente já passaram; o que foi fundamental para que o tal resultado "inesperado" fosse bem entendido:
1º. Comunicação Falada (apenas voz a curta distancia); 2º. Comunicação Escrita (em pedra, madeira, papel); 3º. Comunicação Elétrica (já a longa distancia, telégrafo, telefone); 4º. Comunicação Eletrônica (ou digital, por códigos binários em qualquer meio eletrônico); 5º. Comunicação Quântica (por codificação e processamento através de comutação entre partículas subatômicas, os Quantas, em qualquer meio sólido, líquido, gasoso ou plasmático).
Depois de explicar essas cinco etapas, ele alertou: - É que há um perigo terrível, maquiavélico, diabólico, embutido no 4º. Passo! E este perigo, por si só, é capaz de derrubar e aniquilar uma civilização inteira! Acontece que quando uma civilização tecnológica chega ao ponto de, no 4º. Passo, ter que criar milhões de defesas para se proteger de milhões de ataques que nascem dentro dos seus próprios sistemas de comunicação e informação, ela está normalmente fadada ao fracasso. E isto se dá, geralmente, em três fases, ou etapas, consecutivas e inescapáveis: Contaminação, Degeneração e Extinção.
(Sem falar dos vírus biológicos, criados proposital, acidental ou inadvertidamente, para fins bélicos ou afins, que costumam ser tão danosos e destruidores quanto os vírus eletrônicos, e levam ao mesmo fim. Mas, isso é, também, uma outra história)
Então, o guia-doutor apresentou o tal resultado "inesperado" da pesquisa do guia-monitor: das 297.568 civilizações que já passaram pelas Cinco Eras da Comunicação Física, ou ainda estão no fatídico quarto passo, 89,46% tiveram que usar antivírus em suas redes; e, destas (e aqui veio o dado alarmante!), 97,31% não sobreviveram! Em outros números opostos: apenas 10,54% das civilizações (inclusive a deles) nunca utilizaram antivírus, e das que tiveram que utilizar isso somente 2,69% sobreviveu e continua ativa até hoje; o que significa um total de apenas 38.525 civilizações sobreviventes.
E como os aldebarianianos eram gente de muita paz, muita alegria, muito amor, muito bom humor, e, também, bastante literatos, poéticos e musicais, e falavam, discutiam e discursavam natural e normalmente em prosa e verso - na verdade, mais verso do que prosa -, foi assim que o guia-reitor concluiu a aula final:
- Pois é, querido, sonhador e intergaláctico menino Pedrinho, foi pra isso que aqui vieram você e os seus amiguinhos. É pra levar esse recadinho pro seu povinho. Esse e outros tais e quais relativos ao mesmo original e viral mal:
depredação ambiental; extinção florestal; poluição industrial; exploração comercial; expropriação mineral; destruição vegetal; matança animal; comida não natural; alimentação artificial; discriminação social; preconceito racial; recriminação sexual; intolerância cultural; religiosidade ornamental; igreja doutrinal; crítica superficial; degradação musical; falta de educação teatral e musical; deficiência educacional em geral; crime passional; corrupção governamental; inépcia e ineficiência judicial; congresso não nacional; desequilíbrio capital x social; produção serial em detrimento da artesanal; excessiva preocupação material; total inconsciência espiritual; incremento do poder de fogo no arsenal; submissão ao senhor da guerra, sempre mortal; guerra local ou mundial; perigo de instituição de lei marcial; aplicação maciça de pena capital; omissão e descaso federal, estadual ou municipal; fechamento de escolas de ensino fundamental; construção de instalação penal; desestímulo local a favor de todo e qualquer padrão global; políticos com interesse pessoal, ignóbil e imoral; manipulação eleitoral; governo ditatorial; transgenia agricultural; mão de obra escrava no canavial ou em qualquer outro ambiente urbano ou rural; transgressão medicinal; remédio artificial; parto não natural; aquecimento global; desertificação equatorial e tropical; degelo glacial; censura a enredo de escola de samba no carnaval; etecetera, etecetera e tal.

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Montanhas


Montanhas

(baseado em um app facibuquiano)

Minhas palavras mais escritas
durante esse bendito ano
Nada ofensivas nem malditas,
apenas nuances do profano:

No mundo todo há sempre vida
e montanhas também pra se ver
Ainda assim, todas, em dias de quase sol
Apenas acho que, bem, não sei tão ser,
todos ou nada, sem a minha ao lado
Hoje, em mim, é tempo já,
e elas estão lá

terça-feira, 17 de novembro de 2015

Moedas


Moedas

Nova York e Valadares
Londres e Linhares
Paris e Bento Rodrigues
Berlim e Baixada dos Biriguis
Miami e Nova Canaã
Montreal e Teerã
Tóquio e Cabul
Madri e Istambul
Genebra e Islamabadh
Viena e Vila da Sherazade
.................................
Faces das mesmas moedas
Moedas com as quais se compra e se vende
Moedas com as quais se lucra e se perde
Moedas que insistem em encher os bolsos de uns poucos
e esvaziar os de muitos outros
Enquanto essas famigeradas e desequilibradas moedas
emigrarem sem volta assim,
será sempre assim:
Muitos matarão por elas
Muitos morrerão por elas

Os Dois Lados da Montanha II


Os Dois Lados da Montanha II

A minha cidade tem (ou tinha?!) uma grande montanha. Sempre vejo um lado da montanha, raramente vejo o outro lado da montanha. E, antes de todo o montante restante, é bom lembrar que uma boa, decente e geologicamente bem formada e assentada montanha sempre tem, no mínimo, dois lados, quando não três, cinco, dez...
E, desde que me conheço como bom mineiro observador de montanhas – principalmente de montanhas em movimento, montanhas andantes, montanhas decrescentes e minguantes –, repito, sempre tenho visto o meu lado da montanha e muito esporadicamente tenho olhado o outro lado, o lado dos outros que vivem do outro lado da montanha.
Mas, dias atrás, pela primeira vez, desde que conheço essa montanha, eu subi no topo, no cume, da montanha, e pude ver, admirar, ler, entender e interpretar, simultaneamente, os dois lados da montanhas!
É isso mesmo, dois lados, porque a minha montanha só tem mesmo dois lados, porque ela já foi tão explorada, escavada e devastada do lado de lá que já perdeu seus lados laterais. E do lado de cá ela mais parece um gigantesco outdoor como, o que é pior, uma propaganda enganosa de montanha, um espectro, um fantasma de montanha, virado pro meu lado, o lado da cidade grande, enganando a cidade e todo mundo da cidade que olha pra montanha.
Pra quem ainda não sacou qual é a minha montanha, qual? Muito fácil: ela é a principal da minha cidade natal, é aquela mesma do antigo del’rey curral – e já pensou se esse enganoso outdoor montanhoso um dia vier abaixo e romper todas as barragens de rejeitos minerais que estão do lado de lá da montanha da capital das Gerais?! Poderemos ver uma bela, dantesca e horripilante cena apocalíptica digna de qualquer filminho-catástrofe americano: um gigantesco e turbulento rio de lama descendo pela Av. Afonso Pena abaixo até inundar e destruir todo o centro da cidade, e depois se esgotar no Ribeirão Arrudas, cair no Rio das Velhas, vazar pelo São Francisco afora até morrer no mar (ou, pior, até matar no mar!)
Mas, depois de tergiversar pelos talvegues e talvezes, pelas costas e encostas e pelas redondezas e profundezas da montanha, voltemos à montanha propriamente dita, aos seus dois únicos lados, ao seu cume, e ao tópico principal, de modo a poder ir escalando o assunto até alcançar o seu topo, em verdadeiro e quase literal alpinismo com palavras.
Como eu dizia, era a primeira vez que via, concomitantemente, os dois lados da montanha, o lado de lá e o lado de cá. E o quê que uma visão inteira, integral, holística, do conjunto, do todo, não nos faz pensar!
Numa só seqüência contínua, como o que se vê quando se contempla um belo horizonte montanhoso, lentamente, detidamente, mineiramente, vagando o olhar de um lado para o outro, o que eu vi foi o seguinte:

Do Lado de Lá da Montanha,
a montanha é dinamitada, detonada, pra formar grandes montes de pedrinhas de minério de ferro esfareladas;
as pedrinhas são carregadas por escavadeiras ou pás carregadeiras;
as escavadeiras e pás carregadeiras descarregam as pedrinhas nos caminhões ou nas rolantes esteiras;
os caminhões e as esteiras rolantes despejam as pedrinhas nos vagões de carga de um imenso trem de mais de duzentos vagões (aliás, esse trem de ferro é o único que mineiros vêem nos últimos cinqüenta anos!);
o trem de ferro de duzentos vagões viaja cerca de quinhentos quilômetros até chegar a um porto no litoral que Minas não tem;
neste porto marítimo mais próximo (*), no Espírito Santo – nosso querido Estado de férias e praias –, o trem entrega sua carga de pedrinhas pra grandes navios cargueiros graneleiros;
os grandes navios cargueiros minereilos navegam milhares de milhas náuticas até outros portos na Ásia, na Europa e até mesmo na América;
nestes portos, os navios negreiros, ops, digo minerioleiros, despejam as pedrinhas em outros trens estrangeiros;
os trens estrangeiros transportam as pedrinhas até grandes usinas siderúrgicas estrangeiras;
nestas usinas siderúrgicas as pedrinhas são cirurgicamente usinadas e transformadas em ferro e aço – nesse processo alquímico-siderúrgico eles freqüentemente extraem algumas gramas de “resíduos” de ouro, mas isso é irrelevante, não vem ao caso;
lá mesmo o aço é laminado e transformado em placas de todo e qualquer tipo, qualidade, espessura e envergadura.
as placas de aço são colocadas em outros trens ou caminhões;
estes trens e caminhões transportam as placas de aço até os portos estrangeiros e as entregam pra outros navios cargueiros;
os navios cargueiros de aço plaqueiros, ou seja os que transportam as placas de aço do estrangeiro, levam as placas de aço pra outros portos estrangeiros;
nestes outros portos elas são carregadas em outros trens ou caminhões os quais as transportam até às fábricas de coisas metálicas em geral, inclusive de auto-peças tais como chassis, motores e latarias de automóveis;
estas fábricas de coisas metálicas despacham (just in time) suas auto-peças, via trem, avião, navio ou caminhão, pras montadoras de veículos automotores ao redor do mundo (inclusive para aquela logo ali embaixo, a italiana, que eu consigo ver daqui do topo dessa montanha);
nas montadoras de veículos automotivos (mesmo sem motivos pra tantos autos) as auto-peças são montadas de forma a formar os tais veículos automotores, mais popularmente conhecidos como carros;
os carros são enviados pras estradas, pras ruas, pros campos e pras cidades;
e os carros (inclusive o meu, que eu vejo daqui, estacionado ali ao pé dessa montanha) vêm rodar, roncar, buzinar, poluir, atropelar e infernizar a vida da gente, bem aqui,
Do Lado de Cá da Montanha.

Maniqueistamente maluco e maquinalmente maquiavélico isso, né?!
As pedrinhas do lado de lá da montanha foram atiradas pro lado de cá da montanha e caíram aqui sob a forma de carros!
Saíram do lado de lá da montanha, rolaram, viajaram, por meio mundo, e vieram parar do lado de cá da montanha como veículos sobre rodas!
Eu preferia que elas jamais tivessem que sair do lado de lá pra vir pro lado de cá da montanha. Acho que a montanha, a cidade e o planeta, também.
E a mixaria vergonhosa, escandalosa, escabrosa de royalties sobre o minério de ferro que a gente ganha! Nem mesmo toda a “maravilhosa” revisão fiscal – da qual, há tempos, não se vê sinal – que se promete há séculos, desde os tempos dos ingleses do “uai”, compensaria toda essa gigantesca, usurpadora e detonadora movimentação de montanhas de pedrinhas!
Toda moeda tem dois lados, certo? Errado! Pois os dois lados da minha montanha nos apresentam uma incrível, impossível, surreal, predatória e matreira moeda de um lado só! Uma que só tem o lado “deles”!

(*) Porto de Tubarão, em Vitória - Espírito Santo: É considerado o maior terminal de exportação de minério de ferro do mundo! Nome bastante apropriado porque é onde os gananciosos e insaciáveis tubarões da indústria siderúrgica mundial devoram o nosso minério de ferro!

Foto do atual painel, outdoor, chamado Serra do Curral - aliás, nome também bastante apropriado aos destinos do lugar, mas, isto já é uma outra história...

terça-feira, 10 de novembro de 2015

Netos II


Netos II

Netos crescendo
e mais um chegando.
E de repente, sem espanto,
eles mudam de sapato,
trocam 17 por 37 ou 44!
Por todos os santos!
Benzadeusamém!

Foto by Bernardo Krauss – o pai
Copyright © Brumbe 2015 – texto e foto

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Nin di Passarin III


Nin di Passarin III (*)

Estava eu sossegada e tranquilamente me acomodando confortavelmente na minha cadeira de piscina à beira da piscina sob o avarandado que tenho ao lado da piscina onde eu nado, quando um desses passarin, bem pequititin e muito atrevedin, começou a voar, chiar e zoar insistente e chatamente ao meu redor. O danadin não me deixava curtir meu som nem um tiquin e, além disso, ficava se empoleirando, e fazendo cocozin, justamente encima das minhas caixas de som que ficam dependuradas ao lado da beira da piscina onde eu nado, sob o teto avarandado.
Eu já tinha pulado na tal piscina ao lado, e então só queria curtir um sonzão – um pinquifloidi, um rediroti, um iutiu, talvez uns bitãons ou uns rolinstão – na beira da piscina, mas o passarin continuou a me azucrinar por umas duas horas sem parar, empacado bem encima das caixas de som que tenho dependuradas sob o teto onde eu nado, à beira da piscina do avarandado.
E esse passarin me incomodou tanto que eu resolvi dar um jeito nele: ou o seu chiado ou o som do meu rádio. Tentei espantar o bichin com vassoura, rodo, toalha... e nada do passarin ir embora. Como ele era muito pequenin, que nem um insentin grande, tipo assim um bezourão pequenin ou bezourin grandão, tentei Detefon. Nada! Tão logo guardei o inseticida e voltei, lá estava ele de novo, o meu pequeno musicida, me perturbando no avarandado à beira da piscina onde nado até ficar cansado.
Por fim, descobri em qual recesso recôndito, ou buraco de telha, estava o ninho dele! Ah! Então pensei comigo mesmo, e até falei pra ele, em voz alta: Já descobri seu ninho e agora cê tá fudido! Vou tirar seu ninho daqui e quero ver se você vai ou não vai embora!
Mas quando eu já ia botando a mão no buraco de telha onde estava o ninho... putzgrila!!! vi uma coisa verde, tipo uma cordinha enrolada e com dois olhinhos (olhinhos!!!). Era uma cobrinha verde de metro e meio! – E ainda cheguei a pensar, nesse quase fatal interstício temporal de alguns microssegundos: na última festa que tivemos aqui, não me lembro de termos usado corda verde pra amarrar nada! – Era uma cobra mesmo!
E o coitadin do passarin tava esse tempo todo só querendo chamar a atenção de um animal maior, mais forte, um mamífero quadrúpede como eu, pra defender o seu pequeno e vulnerável ninhozin. Fiz um sinal de “ok” pra ele como quem bestamente diz "agora entendi" e acho que ele entendeu o sinal do jumento aqui.
Consegui assustar e desalojar a cobrinha, mas ela ficou lá dançando e ziguezagueando no madeirame das telhas coloniais, sob as palmeiras imperiais, do avarandado onde eu pulo e nado na piscina ao lado... Mas, o que ele, o passarin, queria mesmo (e eu vi isso nos seus olhos) era que eu matasse a cobra! – E nem precisava mostrar o pau, que, como será visto logo adiante, não era de madeira e, sim, de liga de alumínio galvanizado.
Pra matar a cobra urgentemente, peguei o primeiro instrumento que vi pela frente que pudesse servir como lança de ataque frontal e fatal anticobral. E como eu estava nas dependências da minha piscina (aquela onde eu nado e que fica bem ao lado do avarandado), era óbvio o quê de melhor eu acharia: o longo tubo ranhurado de alumínio galvanizado que serve de suporte pro aspirador de água que serve pra limpar o fundo da piscina pra que ela sirva pra gente nadar.
Peguei o tubo e aticei e cutuquei a cobra até ela cair no chão. No piso desimpedido, limpo e liso ficou fácil: foi só apertar a cabecinha da danada até esmagá-la e degolá-la – Joguei no mato, vai virar comida pra urubu e gavião, mas, comer ovin de passarin amigo meu é que não!
Detalhe final interessante e impressionante: durante toda a minha luta, de uns cinco longos minutos, pra derrubar a cobra no chão até matá-la, juro, o passarin ficou o tempo todo encima de uma mesa próxima (dentro do avarandado), só olhando atentamente a caçada e a execução do réptil, como que para se certificar de que ele realmente seria morto!
E ainda tem gente que não acredita na inteligência, na sensibilidade, na engenhosidade, etc, e no espírito e na alma dos bichinhos! – Mas, convenhamos, menos cobra, barata, pernilongo... esses realmente têm não!
Moral da história: Quando um passarinho cantar ou chiar insistentemente perto de você, talvez ele não esteja fazendo isso só para o seu, e/ou dele, bel prazer, por pura graça e beleza da natureza. Ele pode estar, simplesmente, te pedindo SOCORRO!!!

(*) Nin de Passarin I (na Bahia) e Nin di Passarin II (em Minas Gerais) foram postados em fev/2014 e jan/2015, cada um no seu devido e respectivo ninho.

domingo, 25 de outubro de 2015

Minha Velha Garagem


Minha Velha Garagem

E a minha velha garagem
tem nova folhagem
Saíram os carros e os motores
entraram plantas e flores
Troquei dois ou quatro motores roncando
por dezenas de passarinhos cantando
Acho que fiz bom negócio!
Tirei os novos oldmobiles
os 4.0 os 2.0 os 1.6 e os milles,
deixei os velhos buganvilles
Ao invés de cheiro de gasolina
tenho agora perfume de tangerina
Acho que fiz bom negócio!
Essa é a nova planta-alta
da minha antiga garagem
Agora é lugar de boa vadiagem
pra gente, gato e cachorro,
não mais pra carros estacionarem
Acho que fiz bom negócio!
A brita fina caleja os meus pés,
minhas mãos estão feridas
de tantos espinhos florais, demais,
e um sol inclemente já queima minha pele
como antes nunca senti, jamais!
(é que antes havia ali uma
cobertura, um toldo completo,
de uns multipolicarbonato,
que cobria carros e tudo mais)
Acho que fiz bom negócio!
Fui dar uma longa caminhada,
desci pela minha estrada
até a boca do sumidouro,
assumi os controles, os comandos,
do meu super Phantom W Hornet F18
Viajei bem pra bem longe,
pra nem mesmo sei pra onde,
até onde nenhum amor, antigo ou novo, poderia me acompanhar e, muito menos, me consolar, passei por Centauro e Orion, entrei inadvertidamente numa singularidade espaço-temporal einsteiniana, uma tipo cavidade antigravidade, somente transcendida graças a um salto quântico de providencial e pouca ocorrência probabilística que quase me levou a um colapso também quântico que não consegui quantificar por quantas não sei e voltei pra minha garagem.
Acho que fiz bom negócio!
Amanhã, quando eu aqui chegar,
tenho que me lembrar, bem lembrar,
do bom negócio que fiz,
que já está escrito a gesso e giz
(na paredinha da casa ao lado):
Aqui não é lugar de carro,
só de flores. Floris, flores, floris!

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Janela Diamantina


Janela Diamantina

Na minha janela em Diamantina
um pedaço picado e recortado
do mar do norte de Minas
Mar... que pena!
no meio do caminho,
meio pra cima, pro lado,
tinha uma danada antena.

E foi numa diamantina janela
que um dia manti na janela
um diamante na janela
de amante só pra ela

E lembrei o que escrevi
da primeira vez que estive aqui:

Depois de uma vida inteira parado no meio do caminho (BH) e de uma década inteira morando no extremo sul (RJ), chego, enfim, ao extremo norte da minha Estrada Real: Diamantina!
Cai uma garoazinha fina, perfeitamente condizente com o clima, o astral, o traçado urbano e as formas arquitetônicas da cidade. Belíssima!
Já piso seus lajeados de pedra, já percorro seus becos e ladeiras, já admiro seu casario magnífico, já sinto seu ar carnavalesco, festeiro, congadeiro, pairando sobre as cabeças das pessoas.
Onde é que eu estava mesmo, quando tudo isso foi fundado e construído?!
Em São Tomé, Madeira, Lisboa ou Cascais? Agora já não importa mais.
Só vale sentir este chão, esta terra, este lugar. Pisar cada pedra, apenas pisar.
É como Ouro Preto: não se sente muito bem com simples turistas, pessoas passageiras, gente que vem e vai. É lugar para uma vida inteira, cidade boa pra gente nascer, viver e morrer.
Já vou indo. Na praça, já pega no violão, Juscelino. E Chica da Silva já atravessa a travessa, pra apreciar a seresta.

(esse post ficou que nem o Samba do Crioulo Doido(*):
"foi em Diamantina, onde nasceu JK, que a princesa Leopoldina arresolveu se casar, mas Chica da Silva tinha outros pretendentes e obrigou a princesa a se casar com Tiradentes, o bode que deu vou te contar...")

(*) de Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto)

domingo, 4 de outubro de 2015

Arame


Arame

Pedaço de arame enrolado
no chão jogado
e por acaso achado
achado ao acaso
dentre os casos perdidos e achados
nos restos da festa de sábado passado
Sobre a mesa circular colocado
erguido e equilibrado
em três pontos
num triangulo sustentado
(suporte perfeito da física newtoniana,
que a física quântica igualmente equaciona)
Arame estrutural
virou peça escultural
ou mero fenômeno espacial
perfeitamente tridimensionado
por equilíbrio gravitacional
absolutamente normal?!
(nada transcendental,
coisa geoplanetariamente mundana
em qualquer galáxia espiral)


(Ah, tô voltando pras artes plásticas!
O Inhotim que me aguarde!)

Para ler e ver ouvindo:
Atom Heart Mother - Pink Floyd

Arranjos


Arranjos

Restos de dois casamentos?
Restos não, porque casamentos assim não restam,
seguem inteiros pela vida inteira!
Sobras de festas de casamentos?
Sobras também não, porque festas assim não sobram,
se derramam pelos tempos afora!
O quê sobrou? O quê restou?
O quê sobre a mesa ficou?
Apenas restos, sobras, dos arranjos de flores da festa dos casamentos!
Arranjos que sempre haveremos de arranjar, para outros casamentos celebrar.
Ou para estes dois lindos sempre lembrar e comemorar!

Parabéns para os dois casais dos casamentos
(minhas sobrinhas e, agora, sobrinhos):
Karyna e Mauricio & Fernanda e Markus
E também, claro, pros pais das noivas, minha irmã Celina e meu cunhado Marcos,
o único pai que já vi, até hoje, ter o privilégio de levar duas noivas ao altar, simultaneamente, uma de cada lado!

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Inconfundivel Portão


Inconfundível Portão

Na rua dos sete irmãos,
lá em frente, do outro lado,
havia um inconfundível portão,
fundível em aço, ferro e latão,
quase sempre fechado,
com um indecifrável brasão,
no qual pouco ou nada se lia,
pois raramente se abria,
e mesmo assim,
quando sim,
só um pouco de lado,
onde nada ou pouco se via.
E ninguém pra nós respondia
qual era a misteriosa razão
de ele ficar tão fechadão,
com tantos cadeados,
em rua de portões
sempre tão franqueados.

(e esse portão,
quando abria,
fechava e batia,
ah, que barulhão!
que sempre fazia)

Foto com sete dos catorze irmãos (de cima pra baixo e da esquerda pra direita): Luiz, Luiz Flávio, José, Sérgio, Celina, Roberto (Brumbe) e Paulo.

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Crianças

Crianças

Um menininho sírio, refugiado, encontrado morto numa praia do mar da Turquia.
Uma criança etíope, em pele e osso, morrendo de inanição na sua própria terra.
Um garotinho nordestino, subnutrido, prova viva de uma nova subespécie humana.
Uma menina vietnamita queimada por bomba de napalm numa estrada do Vietnam.
Um garoto carioca com um fuzil AR-15 protegendo a boca do seu morro no Rio.
Uma criancinha tailandesa trabalhando 18 horas no subsolo de uma fábrica chinesa.
Um americaninho do Texas que entra super armado na sua escola e mata 12 colegas.
Uma garotinha inglesa injetando droga na veia na Westminster Station em Londres.
Um menino francês apedrejando os vitrais de uma mesquita na periferia de Paris.
Uma criança-bomba iraquiana que se explode dentro de um ônibus lotado em Bagdá.

Todas as tiranias, todas as ditaduras, todas as oligarquias, todos os desgovernos, todos os maus governos, todas as antidemocracias, todos os fundamentalismos étnicos ou religiosos, toda exploração econômica, toda submissão financeira, toda corrupção social, econômica ou política, toda opressão social, toda discriminação étnica, toda repressão racial, toda depredação da natureza, todo desrespeito ao mundo animal, vegetal ou mineral, toda deseducação, toda falta de educação, toda desinformação, toda falta de cultura, toda destruição de cultura, toda extrema doutrinação social, religiosa ou cultural, toda subserviência social, econômica ou cultural, todo... toda...
(como é imensa a lista das vergonhas, das insanidades e das atrocidades humanas! – à medida que eu for lembrado, eu vou reeditando aqui mesmo)

Todos e todas, em todo o mundo, são Os responsáveis por tudo isso!!!

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Que idéias!


Que idéias!
(a propósito de prosopopéias e onomatopéias)

Desejo ainda renascer, viver e morrer num planeta aquoso de Cassiopéia
onde a minha alma voe com cem mil asas, que nem mil aladas centopéias,
sonhando toda noite com o fantasma da bela e erótica deusa grega Atenéia.
Morar numa casa avarandada nos contrafortes do vulcão de Pompéia,
ou em outra, com deck e cais, na margem norte do Reno, na Basiléia,
ou ainda outra – uma cabana de beduínos, talvez – nos desertos da Eritréia.
(porém, em qualquer delas, apenas jardins e quintais de azaléias)
Ouvir cães, gatos, cobras e lagartos cantantes numa sinfônica prosopopéia
(ou apenas miaus, au-aus, sibilados e chiados, simples onomatopéias)
Comer somente mel de abelhas, retirado diretamente das colméias
e produtos naturais, orgânicos, vegetais, sob a forma de geléias.
Não ter a menor idéia de quem seja Germana, Cassandra ou Dorotéia.
E no fim da vida, viver uma pequena e singela greco-romana epopéia
ou, ao menos, uma rápida, fugaz e mortal oriental odisséia.
Mas, tudo isso é pura, insana e alucinada falta de idéia!
Apenas algo que se semeia, depois na mente permeia
(e no cérebro manca e coxeia), sempre após a meia-noite e meia.

sábado, 8 de agosto de 2015

Rosi Macarte


Rosi Macarte

De um longínquo e nostálgico interior veio Rô,
a que mais cedo e profundamente invadiu,
desbravou e povoou
o meu inteiro interior.
Se Si me fez subir feito zumbi
as longas e tortuosas ruas noturnas
da Serra da cidade soturna,
com Ma quase entrei em coma renal
Respirando todo o sal
suspenso em vapor
numa ressaca brava no Arpoador.
E quando eu e Car nos vimos
numa tarde qualquer de 5 de fevereiro,
um prédio pegou fogo ao lado de nós
em Ipanema, na rua Jangadeiros.
Depois encontrei Tê chorando ao telefone
em pleno Posto 9 (nove)
(dos postos de praia, não telefônicos)
e a levei pra casa, pra chorar mais suave,
que praia não é lugar de choros oceânicos
nem lacônicos.
Ro, Si, Ma, Car, Te,
cinco mulheres marcantes
que marcaram-me
a sol e sal,
terra, serra, mar,
fogo e falta de ar.
Pobre de mim que queria – minto,
ainda quero –, insanamente
reencontrar as cinco
numa somente.

sábado, 1 de agosto de 2015

Policromogastroaromasensofonia


Policromogastroaromasensofonia

Enquanto caminhava calmamente por aquela magnífica floresta tropical, ela ouvia uma maravilhosa sinfonia de cores, como uma imensa e fabulosa orquestra caleidoscópica produzindo, emitindo, ressonando e reverberando harmoniosa e compassadamente a vibração de todos os matizes, nuanças e tons de todas as cores de cada planta, cada flor, cada ramo, cada galho, cada tronco e até de cada raiz, por mais profunda, escondida e obscura que estivesse.
Ao mesmo tempo ia vendo de forma nítida, clara, pura e cristalina, todos os sons, barulhos, uivos, piados, trinados, tritrilados, zumbidos, grunhidos, cantos, gritos, crocitos, coaxados, roncos, choros, lamúrias, alardes, alarmes, cacarejos, arquejos, sussurros e cochichos de todos os bichos, fossem eles andantes, parados, rastejantes, grudados, voadores ou trepadores, da floresta.
Podia, ainda, sentir à flor da própria pele todos os aromas, todos os cheiros, todos os odores de todas as plantas, árvores, ramos, matos, capins e flores; enquanto degustava, saboreava, e às vezes até comia, todas as sensações epidérmicas, físicas e ortopédicas que ia sentindo: um toque, um esbarrão, um tropeço, uma carícia, um arreio, algo seguro na própria mão, uma outra mão, o simples caminhar, o correr, o ficar, o frio ou o calor que sentia e até mesmo o próprio espaço que a envolvia.
Só não entendia muito bem como é que conseguia, simultaneamente, cheirar todo calor, frio, umidade, secura, vento, sol ou lua que fazia, tanto de noite quanto de dia, mas... tudo bem, acostumou-se com isso também.
Tornou-se um saudável, regenerativo, agradável e instrutivo hábito diário, matinal, florestal e floral: todo meio de ano, nos meados de julho, lá ia ela pra sua floresta de ipês roxos, amarelos, brancos, rosas, vermelhos, azuis, lilases, cremes, laranjas, mexericas, abacates, mamões, melancias, melões, manacás, jabuticabas, jatobás, sibipirunas, aroeiras, paraúnas e mangueiras.
Porém, bem mais tarde na vida, um dia consultando sua médica geriatra-geneticista, descobriu que em sua montagem genético-cromossômica – aquela onde ocorrem as manipulações via DesoxyriboNucleic Acid (o tal DNA), para definição de características secundárias, tais como: cor dos olhos, dos cabelos, da pele, etc – todos os pares de conectores terminais dos seus feixes de nervos acopladores que interligam os neurônios senso-especialistas do seu multiprocessador central (cérebro) aos seus respectivos dispositivos sensores-captadores periféricos básicos (boca, olhos, nariz, ouvidos e pele) haviam sido todos imprudente, espantosa e premeditadamente trocados, invertidos, permutados, assim: 1a com 3b, 2a com 1b, 3a com 4b, 4a com 5b, 5a com 2b.
Depois dessa desnecessária, dispensável, infeliz e trágica consulta médica, ela desenvolveu irremediavelmente uma nova doença psicótica, jamais antes observada, que pode ser classificada e catalogada como sendo uma espécie de síndrome de multifonocromogastroaromasensofobia.

segunda-feira, 20 de julho de 2015

F-18


F-18

– quando uma máquina dessas voa, todos os sonhos e pesadelos da humanidade voam junto –

Acho fantástico pensar que essas incríveis máquinas voadoras carregam dentro de si e nelas mesmas, nas suas couraças e entranhas de aço, as mais avançadas e perfeitas tecnologias de todas as áreas da ciência, em hardware e software, que o homem já criou. Basta falar de computação e informática: os nossos melhores computadores, em terra, são inferiores a qualquer um que voa dentro delas. Nenhuma outra máquina humana tem o que elas têm.
E absolutamente nada nelas é supérfluo, excedente, alegórico, decorativo ou desnecessário. Elas não têm nenhum parafuso ou rebite a mais ou a menos! Tudo nelas é absolutamente essencial, mínimo, maximizado, robusto, forte, eficiente e extremamente preciso, direto, objetivo, fatal e mortal.
Pena que são máquinas de guerra!
Mas elas são assim por isso mesmo!
Apesar da sua função exclusivamente guerreira, pelo que elas representam de tecnologia, modernidade, eficiência e fatalidade, eu sou total e obsessivamente apaixonado por elas.
Máquinas que concentram e empacotam em si, e somente em si, todo o gênio cientifico humano acumulado em milênios.
Levam consigo todo o apocalíptico poder de dominação e destruição que todos os reis e todos os senhores da guerra, de todos os tempos, sonharam ter só para si.
Quando uma máquina dessas voa, todos os sonhos e pesadelos da humanidade voam junto.
Máxima e mórbida engenharia. Estranha e sublime poesia.
Tudo o que criamos, para o bem e para o mal, vai nela voando louca, famigerada, demoníaca e alucinadamente, apenas para o mal. Paradoxos, dualidades, antagonias, contradições e dicotomias!
Mas o que é a vida humana senão apenas isso!
Maravilhosas máquinas voadoras supersônicas, monocrômicas, insensatas e insanas, espero que voem sobre as nossas cabeças, mas que nunca despejem as cargas mortais da Besta!
Quando eu era menino, sonhava em morrer guerreando dentro de uma delas.
Hoje sonho só em não morrer sem antes entrar numa delas - desde que ela esteja paradinha no pátio ou no hangar.

domingo, 28 de junho de 2015

Praças de Braga a Praga


Praças de Braga a Praga

Na torre lateral, o ancestral relógio orloj
aponta o caminho das estrelas, ainda hoje.
E indica o ziguezague da lua no zodíaco,
e o rastro do sol do oriente
parabolando pro ocidente.
Mas, há algo estranho, esquisito,
algo astronomicamente recorrente,
um vai e vem cíclico, maníaco.

É que toda a história da civilização ocidental,
do dito mundo moderno atual,
começou e há de terminar,
e talvez recomeçar,
por sorte ou desgraça
inexorável, fatal,
em alguma praça
de Braga
a Praga.
(uma tcheca, outra em Portugal)

E em cada sombra de árvore,
em cada banco ao sol,
em cada gramado,
em cada escada escalada,
em cada recanto isolado e esquecido,
há o desejo e a possibilidade da parada,
do repouso, da quietude e do simples ficar,
que levam às templárias naves temporárias,
onde se pode embarcar
para os nebulosos e vaporosos
passados milenares do lugar.

Já subindo degrau por degrau, platô após platô,
se alcança, finalmente, imensos patamares
de onde é possível vislumbrar, ao largo,
as bruxuleantes caravelas portuguesas
que já navegaram naqueles longínquos mares.
(só não é possível dizer se são as mesmas)

Mas, é nas mesinhas dos cafés da praça
que a gente sempre senta pra tomar uns chopes
de duas horas e meia antes do almoço.
Mera desculpa, ardil, estratagema,
para saborear a graça
do vai e vem da moça.
(aquela do Theoremma)

Porém, na casa da rainha, sua flâmula, a Union Jack,
flameja seu blue’n’red e flutua on the Windback.
But, as they Sold the England by the Pound,
there is no glory, no victory, no proud,
e todo dia milhares de pessoas vagueiam insanas
ao vento gelado que sopra do oeste
no grande largo das rainhas anglicanas.

Dizem que há um terrível vaticínio
inscrito a ferro e fogo nas pedras
das catacumbas subterrâneas
no meio da praça do Vaticano.
Inescapável Lei Pétrea?!

E da arcada do meio veio um grito e um chiado,
não sei se de gente ou de bicho mateiro.
Algo agourento? Talvez apenas um miado.
Mas, não há com o quê se preocupar,
pois o desesperado fim do mundo
ainda demanda três séculos e meio
para, enfim, chegar.

sábado, 13 de junho de 2015

Insomnia


Insomnia

From the beginnings
Across the crossings
By the pillowwings
Until the finishings

Insônia

Dos iniciandos
Através das travessias
Pelos travesseiros alados
Até os terminandos

segunda-feira, 8 de junho de 2015

Embarque


Embarque

Na sala de embarque de Heathrow
não há quem queira embarcar
nem de navio, trem ou avião.
Ninguém quer ir, todos querem ficar.
E da parede ao fundo vem uma canção,
aquela do Pink Floyd in The Wall:
Goodbye cruel world
I’m leaving you today
Goddbye
Goodbye
Goodbye

segunda-feira, 1 de junho de 2015

London in the brain


London In The Brain

Back to my city, again,
under sun, moon, stars, fog or rain,
there are allucinated desires to forever remain.
But, I know very well, it is totally insane.
It's like to drive on a strange and dangerous lane
always looking at an unknown pane.
To take a train to travel to Maine,
or a boat to sail to Suriname,
or a bike to ride to Xerem.
Misfortune without name.
By fortune, from here I carry one gain:
I never go away the same.

(photo: in the Big Ben)


Londres No Cérebro

De volta à minha cidade, novamente,
sob sol, lua, estrelas, névoa ou chuva,
há desejos alucinados de ficar para sempre.
Mas, eu sei muito bem, isto é loucura total.
É como dirigir numa estrada estranha e perigosa
sempre olhando para um altidor desconhecido.
É como pegar um trem pro Maine,
ou um barco pro Suriname,
ou uma bicicleta pra Xerem.
Infortúnio sem nome.
Por sorte, daqui levo um ganho:
Eu nunca vou embora o mesmo.

Caçador de cidades estrangeiras


Caçador de cidades estrangeiras

Tornei-me um caçador de cidades estrangeiras
Mas, caçador pelo simples prazer de degustar a caça
sentindo seus aromas e sabores
Pois, não as devoro inteiras
Deixo grande parte para outros predadores
Neste safari, já abati Braga em Portugal, nada mal.
Agora, enfim, chegou a vez da irlandesa Dublin
As próximas são antigas, já abatidas, são refeições repetidas.
Mas, sempre valem novas boas mordidas

(foto oficial pro meu mural:
Trinity College, minha universidade irlandesa)

quarta-feira, 27 de maio de 2015

Beerbaria


Beerbaria

Se eu fosse um inveterado cervejeiro,
estaria no paraíso, seria festeiro
que nem um galo no próprio terreiro,
e beberia até virar bebum encrenqueiro
Mas, como agora virei gente fina
e só bebo finos e bons vinhos,
vou beber só um pouquinho,
a conta pra ganhar una lembrancina,
que só pode ser um canequinho.

(in front of the fábrica da Guinness, Dublin, Ireland)

segunda-feira, 25 de maio de 2015

Bacalhau II


Bacalhau II

Quanto tempo dura um bordado de linha quase de algodão feito numa toalha de pano, duvidosamente de algodão, de uma mesa de restaurante cujos pratos principais são à base de bacalhau?
E quanto tempo dura a tinta de uma caneta bic e um guardanapo de papel, ambos quase totalmente sintéticos, rabiscados sobre uma mesa de restaurante cujos pratos especiais são à base de bacalhau?
Com certeza o tempo de duração, ou de vida útil, da toalha é muito maior do que o do papel (em dezenas de anos ou até mais de um século!)
Pois é isso que as fiéis e leais bordadeiras do Minho sempre pretenderam fazer e ofertar, consciente ou inconscientemente, aos casais de amantes e namorados de Braga: estender, ampliar e solidificar as suas juras e promessas de amor transpondo-as, transferindo-as, de míseros, fugazes, descartáveis e biodegradáveis poucos meses e anos de papel para mais ricos, perenes, duráveis e recicláveis anos e séculos de pano.
Desconfio que as tais bodas de papel, bodas de pano e as outras consecutivas bodas mais sólidas, caras e brilhantes têm tudo a ver com as tradições das namoradeiras e das bordadeiras de Portugal.

(para quem quiser entender as origens, as causas e os antecedentes e, ainda, os preâmbulos, os prelúdios e os precedentes deste post, leia meu post anterior: o “Bacalhaul” ou “Bacalhau I”)

sábado, 23 de maio de 2015

Bacalhaul


Bacalhaul

Numa mesa portuguesa,
com certeza
de dona portuguesa,
leal é lial.
Não sei se cá é mesmo lialdade
ou se é pura falta de lealdade
com o português.
Talvez é que,
seja lá porque,
lial seja "o" teu
e leal seja "ao" meu.
Mas, sob qualquer ortografia
(mera questão de geografia)
seja leal, seja lial,
valeu pelo vinho
e pelo bacalhau.

(Taberna Pedralva, em frente ao Castelo de Braga, Braga, Portugal)

PS: Antes que os meus queridos amigos portugueses se sintam eventualmente constrangidos, ou até mesmo ofendidos, quero deixar claro que isto é muito mais que uma mera brincadeira. É uma homenagem a um belo e romântico costume dos casais de namorados da região do Minho nas suas festas populares. As estampas destas toalhas de mesa são cópias exatas dos bilhetinhos amorosos que eles trocam entre si. Há, também, o fiel e LEAL trabalho das bordadeiras que mantêm a tradição de elaborar os bordados exatamente da forma como foram escritos e desenhados em tais bilhetinhos. Ocorre que, assim como acontece em qualquer lugar do mundo, nem todos os namorados são perfeitamente "letrados". É como uma namoradeira bordadeira brasileira mineira que escreva e borde: "ti amo dimais da conta sô". Enfim, o que eu quis, acima de tudo, foi ressaltar e homenagear o caráter pitoresco e curioso de uma dupla tradição popular muito bonita e interessante da região do Minho, em Portugal: a de seus casais de namorados e a de suas fieis e leais bordadeiras.

quinta-feira, 21 de maio de 2015

Terras do Meio


Terras do Meio

Quando ando em meio a terras desconhecidas,
e mesmo nas já quase meio conhecidas,
vou sempre todo quase meio vazio
e volto sempre quase todo meio cheio.
Vou pelas metades mais quebradas
e volto pelas metades mais inteiras.
Pois, indo pelas partidas,
de meio em meio
penso que me inteiro
e venho pelas chegadas.

(em terras do Minho: Torre de Menagem, Braga, Portugal)

terça-feira, 19 de maio de 2015

Harmonia no Banheiro


Da série Harmonia no Dia a Dia:

Harmonia no Banheiro
(versão em verso)

Toda vez que eu entro no banheiro dos meus netos,
os bichinhos estão todos inquietos,
esparramados, espalhados,
jogados, desencontrados
e desarmonizados.
Uns no chão, outros na banheira,
uns dentro da pia,
outros atrás das portas...
e até em lugares onde não se pia nem se mia.
Então, ajunto todos eles juntinho,
frente a frente, cara a cara,
todo dia, dia após dia,
no mesmo cantinho,
encima da bancada da pia.
E só saio de lá depois que eles se entendem
e começam a conversar
animadamente,
amistosamente,
harmoniosamente,
e ninguém mais chia.

segunda-feira, 11 de maio de 2015

Um sofá


Um Sofá

Um sofá
pra se sentar
na sala de estar.
Alguém se levantou, saiu,
não está mais lá,
fugiu, sumiu.
Agora há lugar
de sobra pra sentar
no multipolicromático sofá.

domingo, 10 de maio de 2015

Todos os tons de verde escuro


Todos os tons de verde escuro

Caminhava as caminhadas que costumava caminhar e enquanto caminhava procurava caminhar pelos caminhos mais fáceis, mais planos, mais regulares, para que seus pés e suas pernas pudessem ir caminhando por conta própria, livremente, no “piloto automático”, poupando seus olhos e seu cérebro de ter que ficar, obrigatória e constantemente, olhando pro chão por onde caminhava, e para evitar possíveis trancos, quedas e solavancos em buracos, valetas e barrancos, muito comuns nos caminhos por onde caminhava.
E ele, ainda antes, sempre discursava em voz alta para si mesmo, enquanto calçava os tênis de caminhada:
– Mas que diabo!
– Olhos, cérebro, mente e espírito não tem que ficar preocupados com o chão, não deveriam ter esta baixa, rasteira e subalterna obrigação.
– Isto é função das partes de baixo, das pernas e dos pés. Os olhos e a alma precisam estar livres, desimpedidos, desobrigados dessas mundanas atenções, para poder olhar pra frente e pra cima.
Assim, ele caminhava.
E tinha um prazer muito particular e peculiar em olhar e contemplar as árvores, principalmente as mais altas, copadas, encorpadas e enflorestadas, as que formavam aquelas massas verdes compactas, fechadas; e ir distinguindo e apreciando as suas diversas tonalidades de verde, principalmente as mais escuras. É que os verdes mais claros são mais superficiais, mais iluminados, menos escondidos. Já os verdes mais escuros são mais profundos, mais escondidos, mais misteriosos. Daí, não se sabe bem porque, sua maior atração e fixação pelas folhagens verde-escuras.
Gostava especialmente de ficar absorvendo, saboreando e tentando decifrar as mensagens subjacentes, os códigos secretos, os sussurros remotos, e mesmo os silêncios velados, próximos ou longínquos, que cada tom, cada nuança, cada diferente matiz, de todos os verdes das folhagens das árvores, estavam lhe transmitindo:
A folhagem mais superficial, da copa das árvores, do verde samambaia lacrimosa, aquele verde mais claro, luminoso, quase branco, brilhante, lembrava o mar, as grandes e retas praias desertas e as pequenas ilhas oceânicas num dia de céu e sol límpidos, translúcidos, radiantes, quando ele enfiava a cabeça dentro d’água e olhava pra cima só pra ficar curtindo todo aquele azul borbulhante dançando na superfície da água.
O verde menos claro, verde médio, ainda não muito escuro, o verde limão galego verde, entre a copa e miolo das árvores, deixava passar e projetava na mente e na alma todas as estrelas, cometas e bólidos metálicos cadentes de um fim de tarde com lua minguante acima dez graus no horizonte de um céu amarelo-laranja avermelhando constantemente recortado pelos rastros de vapor esbranquiçados das espaçonaves identificáveis.
Uma grande e fantástica festa no interior, numa fazendinha remota nos sertões, lá nos cafundós onde Judas perdeu suas botas, aonde só se chega por estradinhas esburacadas e poeirentas, festa daquelas que duram três dias e três noites ao luar de nove graus da madrugada. E o que o chamou pra festa foi aquele verde mais chegado ao verde propriamente dito, o verde verde, o verde grama recém cortada, das folhas mais chegadas aos ramos e troncos principais.
Junto aos troncos e galhos mais grossos, um verde um pouco mais escuro, o verde folha de azaléia no outono, deixava sua boca e garganta secas, seus olhos embaçados de fumaça e sua cabeça zonza de lembrar tanta desgraça: da desolação das floretas devastadas, de toda a solidão das matas degoladas, de todas as árvores por séculos assassinadas. E o que sobrava era só a sensação triste, nostálgica e inconsolável de estar vagando num imenso deserto de areia, tateando às cegas as paredes de pedra de um gigantesco muro medieval em ruínas.
E bem entre os troncos principais, nas partes mais profundas e pouco iluminadas das folhagens, ele encontrava o verde mais escuro, o verde casca de abacate maduro, o verde negro das densas e indevassáveis florestas tropicais com seus insondáveis mistérios e inescrutáveis magias. Era onde ele confabulava com todos os mágicos habitantes das suas fábulas. Era onde procurava seus gnomos, seus duendes, suas princesas distantes, suas rainhas inacessíveis, suas magas enfeitiçadas, suas bruxas descabeladas e suas fadas amadas.
Enquanto viajava os olhos de uma tonalidade para outra, a cabeça mantinha um pensamento constante como pano de fundo, tabula rasa, fundamento teórico e prático, lei geral da ótica e da luminotécnica, de tudo aquilo:
– Bendito Sol! Abençoadas sejam as suas luzes, as suas sombras e as nossas variâncias orbitais em torno dele!
– Não fosse isso, as cores seriam todas invariáveis, sem tonalidades nem graduações. Seriam apenas cores de uma cor só. O amarelo seria somente amarelo, o verde só verde, o azul apenas azul, teríamos somente um vermelho, um marrom, um rosa, um...
Um belo dia, chegou da caminhada, parou na varanda da casa, e falou consigo mesmo, como era de costume, desta vez em voz baixa:
– Puta merda! Já é quase inverno, mas eu já tô com a camisa toda molhada de suor. Isso é muito bom, porque dizem que exercício físico só é bom, pra valer, se a gente suar a camisa.
Trocou de camisa, deitou numa rede, respirou fundo e repousou os olhos em todas as árvores em volta. Mirou a admirou os recessos de folhagens mais escuros, negros, quase totalmente pretos, das árvores em frente.
Vislumbrou uma espécie de vórtice, tipo uma singularidade espaço-temporal, um buraco de minhoca cósmico, um buraco negro, em que os três pontos mais negros dos setores mais escuros das árvores formavam um estranho, enigmático e quase irreal triangulo exatamente eqüilátero cuja linha central, paralela à da base, se alinhava perfeita e perpendicularmente com a linha dos seus olhos.
Mas aquilo não era uma simples linha reta, parada, estática. Havia uma discreta vibração, uma ondulação, em freqüência bastante baixa e suave, como uma espécie de modulador e transmissor de ondas eletromagnéticas, de luz ou outra radiação qualquer – mas, talvez fosse apenas o efeito da movimentação das folhas ao sabor dos ventos.
E a mensagem que emanava desse espectro de onda de folhas farfalhantes e falantes era a mais instigante, indecifrável, provocante, sedutora e irresistível que ele jamais tinha recebido até então. Parecia um portal, uma porta, atraindo, chamando, reclamando, suplicando ser inapelável e imediatamente aberta. Seus olhos, sua mente e seu espírito entraram em total e completa harmonia ressonante e em acoplamento de fase perfeito, integral, com a freqüência de onda daquele vórtice.
Fechou os olhos e entrou.

sexta-feira, 8 de maio de 2015

45 anos sem Ela!


45 anos sem Ela!

45 anos sem Ela!
Se aqui ainda estivesse,
com todos nós, eu e vocês,
Ela estaria com 96!
Ah, eu tentaria imaginar, se pudesse,
o quanto de luz, amor e sabedoria
tantos anos representaria!
(em vão, um milênio não bastaria)
Quanta vida órfã
Quanta vida subtraída
Quanta vida, para nós, vilã
Quanta vida ainda querida, prometida
(a minha, então, desde então,
irremediavelmente pagã)
Quanta vida perdida...
Não, perdida não!
É a nossa grande graça,
nossa particular e especial benção!
Pois que a Dela, vida finda já aos cinqüenta,
é que as nossas sempre orienta e sustenta.
Em nossos corações, espíritos e mentes,
Mamãe Luiza, eternamente.

(Luiza é a mãe do Brumbe)

segunda-feira, 4 de maio de 2015

Alguém que sumiu, desapareceu, morreu.


Alguém que sumiu, desapareceu, morreu

Por voltas, às voltas, tanto na ida quanto na volta, das minhas longas caminhadas por essas bandas, pelas redondezas do lugar onde moro, tenho posto em prática um certo costume, um vicio, um quase transtorno-obsessivo-compulsivo, que adquiri, ou me foi imposto, nos meus tempos de estudante de arquitetura, que é observar atentamente (e fotografar eventualmente) casas e construções de todo e qualquer tipo, até mesmo um simples e antigo muro de pedra abandonado e em ruínas – um desses que começa no nada, termina em lugar nenhum e não cerca coisa alguma.
Casas como a minha, casas de campo, casas no campo, casas de fim-de-semana, casas para todo fim, casas de lazer, casas de prazer, casas de receber, casas de doar, casas de zoar, casas para, enfim, sossegar, acomodar, aquietar, apaziguar, ler, escrever, viver... e até morar.
Acontece que tenho me deparado freqüentemente, com certa estranheza, alguma surpresa e até com um pouco de tristeza, com algumas dessas novas, belas, sólidas e bem construídas casas – inclusive com belos e limpos telhados ainda não manchados pelas intempéries, o que inegavelmente denunciaria a idade avançada das mesmas –, todas aparentemente paralisadas, não terminadas, abandonadas.
Os sinais que lamentavelmente acusam isso são muitos e diversos, visto que, mesmo sendo majoritariamente casas de fim-de-semana, tais indícios não poderiam estar ali por semanas ou meses a fio, como afianço que tenho visto:
Cercas de arame farpado, na frente ou nos lados.
Entulhos de construção, em montes ou espalhados.
O muro da frente ainda por fazer, por erguer.
Paredes externas rebocadas, mas não pintadas.
Um carrinho-de-mão quebrado e sujo, encostado lá nos fundos.
Jardins ainda sem plantas nem gramado, só ervas e fungos.
Gramados altos, reclamando um zeloso aparador.
Um tímido, ou já descarado, mato crescendo ao redor.
Vãos de janela sem janelas.
Janelas sem vidros, nem tramelas.
(quando os têm, estão quebrados, trincados ou caindo pelas tabelas)
Vãos de portas com portas, mas sem fechaduras.
Varandas há muito tempo sem ver varreduras.
Varanda vazia, nenhum vaso, vasilha ou mobília.
Madeirame de porta e janela ainda nu, sem verniz algum.
Nenhum canteiro no jardim, nem horta no quintal.
Falta de luminárias ou lâmpadas em geral.
E fico pensando, imaginando, matutando e lucubrando nos tantos e tontos sonhos desfeitos, desejos frustrados, realizações interrompidas, projetos de vida rompidos e ideais destruídos, que foram ali abandonados, alijados, descartados:
Um casal que se divorciou, se separou... uma mudança pra longe... os filhos que foram embora... famílias desagregadas, desintegradas... um homem abandonado... uma mulher abandonada... alguém que sumiu, desapareceu, morreu...
Mas, vai ver, bem lá no fundo do porão escuro das razoes secretas e inconfessáveis, não foi por causa de nada disso.
Foi por pura e simples falta de grana, mesmo!

quarta-feira, 29 de abril de 2015

Métricas Quase Geométricas


Métricas Quase Geométricas
(ou Ode Ao Ponto)

Um ponto é só um ponto.
Dois pontos compõem uma reta.
Retas que nos regram com limitantes réguas,
réguas que nos regulam, muitas vezes de forma abjeta.
Retas podem ser paralelas, transversais, obliquas, ortogonais,
perpendiculares, concorrentes, coplanares, divergentes e muito mais.
Uma reta é a menor distancia entre dois pontos?
(a física gravitacional espaço-temporal einsteiniana contesta!)
Uma reta pode até ser a menor, mas não a melhor distancia:
linhas curvas, tortas, podem desvendar melhores estâncias.
Três pontos formam um triângulo.
Triângulos retângulos, duas retas em ângulo reto, 90 graus.
Triângulos isósceles, dois lados iguais, um desigual.
Triângulos eqüiláteros, de três lados iguais, o pretenso maioral.
Há, ainda, o triangulo qualquer,
aquele que não é qualquer um dos três regulares anteriores.
triângulos irregulares, anarquistas, fora-da-lei, impostores,
que não obedecem às leis de angular composição
e de mínima isonomia dos lados, em qualquer posição.
Três pontos constituem, ainda, um círculo!
Três pontos totalmente desalinhados sempre formam um círculo perfeito!
Sempre é possível traçar uma circunferência perfeita
passando apenas por três pontos totalmente não alinhados.
Circunferências descrevem círculos que são descritos por circunferências que desenham círculos que estão circunscritos em circunferências que...
Círculo vicioso ou virtuoso?
Uma circunconferência resolve? Uma circoconferência decide?
Vamos sempre conviver às voltas com este dilema circunrecorrente.
E o retângulo, então, é um quadrado espichado?
Ou o quadrado é que é um retângulo encurtado,
cortando pra ter iguais os quatro lados?
Isto também é um problema sem solução,
pois só se resolveria numa grande mesa de reunião
simultaneamente quadrangular e retangular, em igual posição.
Retângulos e quadrados se desenham com esquadros.
Esquadros são ex-quadros que perderam um lado e viraram triângulos.
(retorne à linha dez, a dos três pontos, pra entender os triângulos)
Se um quadrado tem um quinto lado deixa de ser quadrado,
vira pentágono, aquele que nos vigia e regula de longe por todos os lados.
Depois vem o hexágono, o heptágono, o octógono...
Octógono que virou palco de quebradeira, de luta por todos os lados,
muito a propósito porque dele pra frente se quebram tanto os lados
que as figuras vão se desfigurando até virarem uma coisa sem lados:
o círculo, figura que tem octaquinlhões, um número infinito de lados.
Com compassos, com passos, e mesmo passo a passo, milimétricos,
não se desenha coisa alguma além de círculos e circunferências.
Compassos deveriam se chamar circulímetros ou circunferencímetros.
Escalímetros são aquelas réguas de perfil eqüilátero triangular,
com seis escalas, duas em cada um dos três lados, já prontas, graduadas,
e que os engenheiros, arquitetos e desenhistas menos graduados
ou mais preguiçosos ou que não sabem calcular escalas, adoram usar.
Transferidor é outro que tem nome errado: transfere o quê, de onde pra onde?!
Somente ângulos. Então deveria ser chamado de angulímetro.
E a Régua T, lembram?!
imprescindível em qualquer mesa ou prancheta de desenho da cidade
para regular e garantir todo paralelismo e toda ortogonalidade.
Mas, todos esses instrumentos, assim com a Régua T,
já foram substituídos há anos pelo computer aid designer – o cad
Melhor deixar os instrumentos e voltar aos pontos,
pois uma infinitude de pontos em espaços tridimensionais
só são desenhados com cads especiais, espaciais.
É que, na verdade, quatro pontos ou mais
podem ser qualquer coisa,
qualquer coisa a mais.
E qualquer ponto, uma coisa,
a menos ou a mais.
Sem falar do ponto de ônibus, do ponto em cruz, do relógio de ponto, do ponto de interrogação, do ponto a que chegamos, do contra-ponto, dos dois pontos (um embaixo, outro encima), do ponto e vírgula, do ponto de exclamação, do ponto a ponto, do ponto de partida, do ponto ganho, do ponto de chegada, do ponto perdido, do ponto máximo, do ponto intermediário, do ponto mínimo, do ponto de fusão, do ponto de ebulição, do ponto de evaporação, do marcando ponto, do bar do ponto, do filé ao ponto, do ponto fora da curva, do ponto extrapolado, do ponto interpolado, do ponto roubado, do ponto sem nó, do ponto da questão, do ponto de vista ...
E pontos finais………

PS: toda vez que penso em métricas, medidas, escalas e coisas parecidas, inevitavelmente me vêm algumas perguntas recorrentes que nunca se calam:
Qual é a verdadeira escala que se usa para medir um homem?
Que parâmetros devem ser utilizados para mensurá-lo?
Afinal, com que metro se mede um homem?

sábado, 25 de abril de 2015

Inequações Inadequadas


Inequações Inadequadas

Inequações matemáticas de alto grau negativo inferior e elevado potencial de desequilíbrio degenerativo de baixo nível e propagação de ondas desarmônicas de nível máximo, com incógnitas principais já conhecidas e números reais não naturais, superdimensionados e hiperfaturados:

PT de Rousseff e Silva = rombo via PeTrobRáS >= R$6bi

fHC e seu pSdB = rombo via banco HSBC >= R$6bi

donde: PTdRS = HCSdB

Meus próprios comentários no facebook:

1) Só pra registro histórico: Isto não é um post político. Trata-se apenas de um exercício de matemática elementar aplicada à física nuclear, à mecânica quântica e à engenharia eletromagnética, com uma discreta passagem pelos domínios da economia financeira e da logística capitalista global.

2) Registro 2: Vale notar que essas inequações violam, agridem e corrompem totalmente as leis e os princípios mais fundamentais da física, da matemática, da economia e das filosofias em geral.

quinta-feira, 23 de abril de 2015

Galo 2 a 0


Galo 2 a 0

Hoje torci contra a chuva
Praguejei amaldiçoando o temporal
que derrubou, aos 13 min do 1º. tempo,
o meu satellite sky tv signal
Lembrei da camisa alvinegra ao tempo,
no varal, no meio do vendaval
e a gente torcendo contra a natureza
É que é da natureza do Galo ser contra
Mas valeu, como valeu,
mais uma garrafa de vinho de certeza
porque nós acreditamos
que o Galo faz o que até duvida Deus!
Mas nós, profanamente, cremos
Quando acabou o breu
já tava 1 pro Galo
e vi o segundo que, por mim,
por mil valeu!
Valeu, Galo, valeu
Por tudo que eu vi
e por tudo que eu não vi
Obrigado por mais esses 90 minutos
que valeram uma vida,
que vale dizer: isso, eu vivi!
E o Galo sempre há de cantar:
Ainda não morri!
Gaaallllooooo!!!!!!!

(em 22/04/2015 às 22:13h, em tributo a todos os anti-mortais 2 a 0, fora os 4 a1, que o Galo – Clube Atlético Mineiro – tem feito nos últimos três anos)

quarta-feira, 15 de abril de 2015

Os dois lados da montanha


Os dois lados da montanha

A minha cidade tem (ou tinha?!) uma grande montanha. Sempre vejo um lado da montanha, raramente vejo o outro lado da montanha. E, antes de todo o montante restante, é bom lembrar que uma boa, decente e geologicamente bem formada e assentada montanha sempre tem, no mínimo, dois lados, quando não três, cinco, dez...
E, desde que me conheço como bom mineiro observador de montanhas – principalmente de montanhas em movimento, montanhas andantes, montanhas decrescentes e minguantes –, repito, sempre tenho visto o meu lado da montanha e muito esporadicamente tenho olhado o outro lado, o lado dos outros que vivem do outro lado da montanha.
Mas, dias atrás, pela primeira vez, desde que conheço essa montanha, eu subi no topo, no cume, da montanha, e pude ver, admirar, ler, entender e interpretar, simultaneamente, os dois lados da montanhas!
É isso mesmo, dois lados, porque a minha montanha só tem mesmo dois lados, porque ela já foi tão explorada, escavada e devastada do lado de lá que já perdeu seus lados laterais. E do lado de cá ela mais parece um gigantesco outdoor como, o que é pior, uma propaganda enganosa de montanha, um espectro, um fantasma de montanha, virado pro meu lado, o lado da cidade grande, enganando a cidade e todo mundo da cidade que olha pra montanha.
Pra quem ainda não sacou qual é a minha montanha, qual? Muito fácil: ela é a principal da minha cidade natal, é aquela mesma do antigo del’rey curral.
Mas, depois de tergiversar pelos talvegues e talvezes, pelas costas e encostas e pelas redondezas e profundezas da montanha, voltemos à montanha propriamente dita, aos seus dois únicos lados, ao seu cume, e ao tópico principal, de modo a poder ir escalando o assunto até alcançar o seu topo, em verdadeiro e quase literal alpinismo com palavras.
Como eu dizia, era a primeira vez que via, concomitantemente, os dois lados da montanha, o lado de lá e o lado de cá. E o quê que uma visão inteira, integral, do conjunto, do todo, não faz!
Numa só seqüência, como o que se vê quando se contempla um belo horizonte montanhoso, lentamente, detidamente, mineiramente, de um lado para o outro, o que eu vi foi o seguinte:

do lado de lá da montanha,
a montanha é dinamitada, detonada, pra formar grandes montes de pedrinhas de minério de ferro;
as pedrinhas são carregadas por escavadeiras ou pás carregadeiras;
as escavadeiras e pás carregadeiras descarregam as pedrinhas nos caminhões ou nas rolantes esteiras;
os caminhões e as esteiras rolantes despejam as pedrinhas nos vagões de carga de um imenso trem de mais de duzentos vagões (aliás, esse trem de ferro é o único que mineiros vêem nos últimos cinqüenta anos!);
o trem de ferro de duzentos vagões viaja cerca de quinhentos quilômetros até chegar a um porto no litoral que Minas não tem;
neste porto marítimo mais próximo (*), no Espírito Santo – nosso querido Estado de férias e praia –, o trem entrega sua carga de pedrinhas pra grandes navios cargueiros graneleiros;
os grandes navios cargueiros minereilos navegam milhares de milhas náuticas até outros portos na Ásia, na Europa e até mesmo na América;
nestes portos, os navios negreiros, ops, digo minerioleiros, despejam as pedrinhas em outros trens estrangeiros;
os trens estrangeiros transportam as pedrinhas até grandes usinas siderúrgicas estrangeiras;
nestas usinas siderúrgicas as pedrinhas são cirurgicamente usinadas e transformadas em aço;
lá mesmo o aço é laminado e transformado em placas de todo e qualquer tipo, qualidade, espessura e envergadura.
as placas de aço são colocadas em outros trens ou caminhões;
estes trens e caminhões transportam as placas de aço até os portos estrangeiros e as entregam pra outros navios cargueiros;
os navios cargueiros de aço plaqueiros, ou seja os que transportam as placas de aço do estrangeiro, levam as placas de aço pra outros portos estrangeiros;
nestes outros portos elas são carregadas em outros trens ou caminhões os quais as transportam até às fábricas de coisas metálicas em geral, inclusive de auto-peças tais como chassis, motores e latarias de automóveis;
estas fábricas de coisas metálicas despacham (just in time) suas auto-peças, via trem, avião, navio ou caminhão, pras montadoras de veículos automotores ao redor do mundo (inclusive para aquela logo ali embaixo, a italiana, que eu consigo ver daqui do topo dessa montanha);
nas montadoras de veículos automotivos (mesmo sem motivos pra tantos autos) as auto-peças são montadas de forma a formar os tais veículos automotores, mais popularmente conhecidos como carros;
os carros são enviados pras estradas, pras ruas, pros campos e pras cidades;
e os carros (inclusive o meu, que eu vejo daqui, estacionado ali ao pé dessa montanha) vêm rodar, roncar, buzinar, poluir, atropelar e infernizar a vida da gente, bem aqui,
do lado de cá da montanha.

Maniqueistamente maluco e maquinalmente maquiavélico isso, né?!
As pedrinhas do lado de lá da montanha foram atiradas pro lado de cá da montanha e caíram aqui sob a forma de carros!
Saíram do lado de lá da montanha, rolaram, viajaram, por meio mundo, e vieram parar do lado de cá da montanha como veículos sob rodas!
Eu preferia que elas jamais tivessem que sair do lado de lá pra vir pro lado de cá da montanha. Acho que a montanha, e o planeta, também.
E a mixaria vergonhosa, escandalosa, escabrosa de royalties sobre o minério de ferro que a gente ganha! Nem mesmo toda a “maravilhosa” revisão fiscal – da qual, há tempos, não se vê sinal – que se promete há séculos, desde os tempos dos ingleses do “uai”, compensaria toda essa gigantesca, usurpadora e detonadora movimentação de montanhas de pedrinhas!
Toda moeda tem dois lados, certo? Errado! Pois os dois lados da minha montanha nos apresentam uma incrível, impossível, surreal, predatória e matreira moeda de um lado só! Uma que só tem o lado “deles”!

(*) Porto de Tubarão, em Vitória / Espírito Santo. É considerado o maior terminal de exportação de minério de ferro do mundo! Nome bastante apropriado porque é onde os insaciáveis tubarões da indústria siderúrgica mundial devoram o nosso minério de ferro!