segunda-feira, 4 de maio de 2015

Alguém que sumiu, desapareceu, morreu.


Alguém que sumiu, desapareceu, morreu

Por voltas, às voltas, tanto na ida quanto na volta, das minhas longas caminhadas por essas bandas, pelas redondezas do lugar onde moro, tenho posto em prática um certo costume, um vicio, um quase transtorno-obsessivo-compulsivo, que adquiri, ou me foi imposto, nos meus tempos de estudante de arquitetura, que é observar atentamente (e fotografar eventualmente) casas e construções de todo e qualquer tipo, até mesmo um simples e antigo muro de pedra abandonado e em ruínas – um desses que começa no nada, termina em lugar nenhum e não cerca coisa alguma.
Casas como a minha, casas de campo, casas no campo, casas de fim-de-semana, casas para todo fim, casas de lazer, casas de prazer, casas de receber, casas de doar, casas de zoar, casas para, enfim, sossegar, acomodar, aquietar, apaziguar, ler, escrever, viver... e até morar.
Acontece que tenho me deparado freqüentemente, com certa estranheza, alguma surpresa e até com um pouco de tristeza, com algumas dessas novas, belas, sólidas e bem construídas casas – inclusive com belos e limpos telhados ainda não manchados pelas intempéries, o que inegavelmente denunciaria a idade avançada das mesmas –, todas aparentemente paralisadas, não terminadas, abandonadas.
Os sinais que lamentavelmente acusam isso são muitos e diversos, visto que, mesmo sendo majoritariamente casas de fim-de-semana, tais indícios não poderiam estar ali por semanas ou meses a fio, como afianço que tenho visto:
Cercas de arame farpado, na frente ou nos lados.
Entulhos de construção, em montes ou espalhados.
O muro da frente ainda por fazer, por erguer.
Paredes externas rebocadas, mas não pintadas.
Um carrinho-de-mão quebrado e sujo, encostado lá nos fundos.
Jardins ainda sem plantas nem gramado, só ervas e fungos.
Gramados altos, reclamando um zeloso aparador.
Um tímido, ou já descarado, mato crescendo ao redor.
Vãos de janela sem janelas.
Janelas sem vidros, nem tramelas.
(quando os têm, estão quebrados, trincados ou caindo pelas tabelas)
Vãos de portas com portas, mas sem fechaduras.
Varandas há muito tempo sem ver varreduras.
Varanda vazia, nenhum vaso, vasilha ou mobília.
Madeirame de porta e janela ainda nu, sem verniz algum.
Nenhum canteiro no jardim, nem horta no quintal.
Falta de luminárias ou lâmpadas em geral.
E fico pensando, imaginando, matutando e lucubrando nos tantos e tontos sonhos desfeitos, desejos frustrados, realizações interrompidas, projetos de vida rompidos e ideais destruídos, que foram ali abandonados, alijados, descartados:
Um casal que se divorciou, se separou... uma mudança pra longe... os filhos que foram embora... famílias desagregadas, desintegradas... um homem abandonado... uma mulher abandonada... alguém que sumiu, desapareceu, morreu...
Mas, vai ver, bem lá no fundo do porão escuro das razoes secretas e inconfessáveis, não foi por causa de nada disso.
Foi por pura e simples falta de grana, mesmo!

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