
The Abbey Road Crossing
(A Travessia da Estrada da Abadia)
Estava de pé, parado, estático, no cruzamento da Wellington Road com a Grove End Road, em frente à Saint John’s Wood Station (tinha que ter um “John” no meio!) da Jubilee Line do Underground de Londres. Passava pouco mais das 3 PM, maybe just a quarter past three, daquele Tuesday, 2011-05-10. Com o mapa na mão eu ia identificando, localizando, as ruas de St. John’s Wood, e pensando: bem, aqui é o cruzamento da Wellington com a Grove, logo ali, para aquele lado, está a Abbey (a Abbey Road!), então, é só eu atravessar aqui na Wellington e seguir direto pela Grove, e a Abbey é a segunda a direita (nada mais do que uns míseros 300 metros a pé). Estava a 300 metros da Abbey Road!!! Foi o que eu fiz. Caminhando lentamente, debaixo de um gostoso solzinho de tarde de primavera, com um ventinho frio na cara, segui em direção ao ponto máximo, o apogeu, a apoteose, da minha viagem a Londres. Caminhava bem devagar, saboreando o caminho, mas o coração acelerava a cada passo. Ia medindo a distancia e fazendo contagem regressiva: 200m, 150m, 100m, 50, 30, 20, 10, 5, 2, 1... e lá estava eu, com os pés fincados na Abbey Road!!!
Difícil explicar isso! Difícil traduzir emoções dessa magnitude em palavras! Mas, se é isso mesmo o que eu estou tentando fazer aqui. Então, vamos lá, para Abbey Road Crossing, a tão famosa travessia de pedestres que os Fabous Four cruzaram em 1969. Instante mágico eternizado na foto da capa do disco de mesmo nome.
Como a Estrada da Abadia é bastante extensa (cerca de 2km), quando eu cheguei na esquina da Grove com a Abbey, achei que ia ter que andar muito ainda para chegar no Crossing. Mas, não. Ele fica justamente nessa esquina, ou seja, exatamente no começo da rua. É a primeira travessia, quase em frente ao número 5, onde ficava o antigo estúdio. Enfim, eu já estava lá, bem na travessia. Já estava no pedaço de terra, ou melhor, de asfalto, mais sagrado, venerado, reverenciado e pisado de Londres! No abençoado chão da terra santa da música moderna mundial.
Custei a acreditar que já estava no lugar certo. Comecei a observar bem a geografia, a topografia, a arquitetura e a urbanística do local. Não havia dúvida alguma. Era o Lugar, mesmo! Ouvira dizer, e duvidara, que tudo no lugar já estava mudado, que a travessia não existia mais, que até o nome da rua tinha sido trocado. Nada disso! Posso garantir, baseado em meus profundos conhecimentos de Beatles, fotografia, paisagismo, meteorologia, engenharia e astronomia, que a travessia de pedestres em que os quatro rapazes de Liverpool foram fotografados, e cujo registro está estampado na capa do álbum Abbey Road, é exatamente aquela lá onde eu estava.
De vez em quando aparece gente lá que fica que nem bobo, que nem eu, atravessando de lá pra cá e cá pra lá, para tirar foto (muitos atravessando na direção contrária – tiver ensinar para alguns o sentido correto: da esquerda pra direita, olhando pro fim da rua). E os carros sempre param, porque é uma travessia preferencial para pedestres (botou o pé no asfalto, os carros param mesmo!) A maioria das pessoas que vai lá é gente muito jovem ou adolescente, e durante todo o tempo que fiquei (umas duas horas), o mais velho era eu mesmo. Chamou-me especialmente a atenção um jovem senhor de uns 30 e poucos anos, de terno e gravata, com seu filhinho lourinho, de uns 5 ou menos, pela grande satisfação e alegria do pai tirando fotos do filho atravessando a rua.
Entretanto, o grande barato, a maior curtição, em Abbey Road, para mim, não é só apenas fazer a travessia, mas, caminhar também ao longo da rua até aquela suave curva pra esquerda que tem lá no fundo da foto da capa do disco. Não vi ninguém fazendo isso, mas eu fiz. É uma ótima caminhada: a rua é toda arborizada, predominantemente residencial, com belos casarões e alguns sobrados com no máximo 4 andares (nada de grandes prédios). Sem falar que no meio do caminho eu achei, e fotografei, claro, um número 52. Que não um mero e ordinário 52, mas, sim, o 52 da Abbey Road! (um casarão vitoriano com aqueles típicos tijolos vermelhos)
Outra coisa que me deixou muito admirado e perplexo (quase indignado), foi a naturalidade, a discrição, a reserva e o sutil distanciamento (quase descaso) com que os britânicos tratam essa rua e a sua famosa travessia: não há placas comemorativas, não há faixas nem cartazes, não há referencias turísticas, não há coisa alguma sobre Abbey Road, como marco histórico, em qualquer lugar, guia ou mapa de Londres! (fiquei imaginando se fosse numa cidade brasileira: carrinho de picolé, algodão-doce, pipoca, fotógrafos de plantão nos dois lados da rua, ingresso para atravessar, outdoors pela cidade, banner no aeroporto, placas e estátuas, chamadas no rádio, tv, internet ...)
Mas, in the end, ficam algumas questões por responder. Tem umas perguntas que não querem calar: Porque que esses quatro caras resolveram, no meio de uma gravação, ir lá pro meio da rua tirar umas fotos?! Porque que uma dessas fotos virou capa de disco?! E, muito além disco (digo, disso), porque que essa foto virou um marco referencial, um símbolo, um ícone, uma sacrossanta imagem, para toda uma geração no mundo inteiro?! Eu tenho cá a minha interpretação de tudo isso. Uma leitura particular muito singela, talvez até muito óbvia. Justamente porque creio que as coisas realmente importantes, profundas e significativas, são, geralmente, muito simples, simplíssimas – um grande filósofo inglês, ou chinês, não importa, já dizia: “The beauty, the power, the majesty and the magnificency use to be hiddden in the most single acts, the most simple things” (A beleza, a força, a majestade e a magnificência costumam estar escondidas nos atos mais singelos, nas coisas mais simples).
Aquela simples, corriqueira e, até, banal, ação de caminhar, de cruzar a rua, de atravessar de um lado para o outro, representou e simbolizou um movimento, uma mudança, uma evolução. Uma conclamação para se seguir adiante, seguir em frente, em direção a alguma coisa nova. Talvez um novo futuro, a new establishment, um objetivo de vida maior, uma busca espiritual transcendental, make love not war, uma escola diferente, a brave new world, uma faculdade melhor, mais dinheiro, peace and love, um carro novo, uma casa nova, give peace a chance, atravesse na faixa, mind the gap, uma casa no campo, wait behind the yellow line, uma casa na praia, aguarde sua vez, um submarino amarelo, a blue spaceship... sabe-se lá o quê! Ou, pra gente simplesmente seguir caminhando... e cantando.
Não é por mero acaso que quem puxa e encabeça a fila é o Lennon, quem fica no meio é o McCartney e o Starkey, e quem fecha a retaguarda é o Harrison (e notem a ordem, ou seqüência, dos quatro caminhantes na travessia: on, ey, ey, on. algo, sonora, harmônica e musicalmente falando, bem interessante). Assim caminharam os Beatles. Para a minha geração, “assim caminha a humanidade”.
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