Quatro irmãos, um apagão e um fogão.
Sexta-feira, já de noitão, o Zé ligou pro Brumbe, seu irmão, dizendo que ia passar o fim de semana lá, no sítio dos irmãos. Brumbe, o irmão dono da casa questão, não acreditou muito não – já contava certo que o seu primeiro fim de semana do ano “ZOIO”, seria de solidão –, mas no sábado, à tardão, pra sua grande satisfação, lá chegaram eles: o Zé, seu filho Gui com a namorada Val e o Sergin, outro irmão. O Rafa, o quarto irmão dessa narração, já se encontrava por lá, assim com o Kustuka, não irmão dos quatro, mas irmão de um irmão de coração dos quatro – dos irmãos de sangue, só faltava o Paulin e o Luizin.
A intenção, obviamente, era passar juntos um bom fim de semana, sossegadão, tranquilão, nas beiras e dentro da piscina, debaixo desse solão de verão, com bastante cerveja gelada, umas batidas, até de limão, e um pingão – só um, porque mais é danação. No sábado, macarrão, e no domingo, um belo churrascão. Um trem danado de bão! Além disso, só um bom filme na televisão, preferencialmente de ação, e um montão de cd’s e dvd’s, é claro, de rockão.
Acontece que na tarde do sabadão, como freqüentemente ocorre nesse rincão, sucedeu mais um não tão inesperado apagão – falta de energia elétrica não prevista ou não programada de antemão. E tal apagão, para total contrariação do engenheiro eletricista dono do casarão, se prolongou por tempo muito além da sua inestimada e furada previsão: entrou pela noite adentro e madrugada afora, e eles ficaram na maior escuridão, à luz de velas e lampião.
Porém, como nada poderia atrapalhar essa rara e feliz reunião dos quatro e meio irmãos – naquelas alturas da noite e do golo o Kustuka já havia sido adotado como o quase quinto –, eles resolveram seguir com a normal programação: fazer um macarrão (na verdade, assar umas lazanhas congeladas, à moda e ao costume milenar do da casa irmão) e, mais tarde, ver e ouvir um bom e decente dvd do Pink Floydão (se a danada da luz voltasse, então).
Entretanto, sem energia elétrica, nada de micro-ondas, único aparelho-preparador-de-comida reconhecível, manipulável e de amigável operação por parte do irmão dono da casa, no seu grande cozinhão. O vistoso e moderníssimo fogão a gás – um Brastemp, cinco bocas, relógio digital, computador de bordo, etc – era para uso exclusivo das forças armadas, e amadas, devidamente preparadas, da casa, isto é, suas duas filhas, principalmente a dona de restaurante. Pois, para êle, pobre irmão, aquilo era como uma nave espacial alienígena ou um OCNI (Objeto Cozinhador Não Identificado) – Quando êle entrava na cozinha, virava a cara, tinha até medo de olhar para aquilo. Na verdade, gostava mesmo era só de ajustar o reloginho digital toda vez que a luz voltava, pois sentia imenso e inexplicável prazer em acertar e sincronizar periodicamente todos os onze relógios da casa (não se sabe pra que tantos!). Um grave T.O.C., pura falta do que fazer, puro ócio excessivo, Freud e/ou Kardec explicam.
Mas, deixando de lado essa insana digressão e voltando ao macarrão, ou melhor, às lazanhas e ao fogão, mais precisamente ao forno do fogão – brevemente, mais exatamente ainda ao botão do forno do fogão – lá foram eles, inapelável, inocente e incautamente, encarar o fogão a gás. Pro irmão dono da casa, o tal do Brumbe, isso era como penetrar numa misteriosa e tenebrosa selva tropical, ou pisar num planeta gasoso, desconhecido e extremamente perigoso.
Três irmãos em frente ao fogão (o quarto, o Rafa, de lado, só olhando e pensando que aquilo não ia dar certo de jeito nenhum): Abriram a tampa do forno. Pra iluminar melhor: um com vela acesa por cima, outro com vela de lado. Pra acender: um com isqueiro, outro com fósforos, outra ainda com vela acesa mesmo. Um gira o botão, outro coloca o fósforo, a vela ou o isqueiro. Gira o botão pra lá, gira o botão pra cá, pra esquerda, pra direita, sentido horário, sentido anti-horário. E dá-lhe fogo, dá-lhe chama, e nada do forno acender, nada nem de cheiro de gás. De gás, nem cheiro, e o botijão, com certeza, cheio. E agüenta cera de vela quente pingando nas mãos, nos braços, na tampa do fogão, no chão. Uma lambança. Uma inútil algazarra. Uma desvairada perda de tempo e energia (no caso calorífica). Que situação!!! Que falta que uma mulher faz, até pra ligar um fogão!!! – livraram a Val, única mulher no sitio, naquele momento, de qualquer responsabilidade no infortúnio, visto que, além de ela ser visitante de primeira vez, era muito nova pra poder ser cobrada dessas coisas por parte de cinco velhos marmanjos ignorantes.
Por fim, desistiram, o forno não acendia de jeito nenhum! – o irmão da casa, que estava morrendo de medo do fogão explodir, chegou até a argumentar, baseando-se em (seus) dados técnicos, científicos e estatísticos, e em informações irrefutáveis, obtidos de eventos de ordem culinária recentemente ocorridos naquela cozinha, que os bicos de chama do forno estariam entupidos por falta da devida limpeza ou de manutenção preventiva.
Lanternas, velas, panelas e lampião nas mãos, lá desceram eles, rumo à casa do Rafa, o quarto irmão (na verdade, o primeiro, por cronologia, hierarquia e sabedoria), à cata de forno que funcionasse, pois, como êste mesmo dizia: forno velho é que é forno bão! Varias idas e vindas ocorreram entre as casas do Brumbe e do Rafa, não só pra levar e buscar as lazanhas, como também pra verificar periodicamente o estado dos assados, visto que nenhum deles tinha a menor idéia do tempo necessário pra assar lazanha congelada num fogão a gás (o limitado, inepto e ignaro irmão Brumbe só sabe do tempo no micro-ondas!)
Nessas idas e vindas, o irmão da casa, invariável e constantemente, ia gritando alucinadamente – diga-se de passagem, com toda razão – o seu mais recém criado e apropriado impropério: CFDP!!! CFDP!!! CFDP!!! (*). Recitava essa maravilha, não tanto por causa da falta do micro-ondas, mas, sim, porque quanto mais o tempo passava e a luz não voltava, êle ia vendo frustrado o seu desejo de poder ligar o Home Theater pra mostrar o show do “Pink Floyd live at Pompeii” pro Zé, pro Sergin e pro Gui.
Tarde da noite, enfim, e romanticamente à luz de velas, eles conseguiram jantar suas fartas e saborosas lazanhas, regadas a bons e honestos vinhos, acompanhadas de prazerosas, despreocupadas e hilariantes conversas-pra- jogar-fora, que giraram, invariavelmente, em torno de peripécias da infância e da adolescência. É muito interessante observar o que acontece quando um grupo de velhos irmãos se reúne pra conversar, especialmente se estiver chovendo muito álcool: os papos geralmente deságuam em enxurradas de incríveis histórias de criança, e as brigas de meninos, principalmente, transbordam deliciosa e abundantemente. Talvez isso funcione, felizmente, assim como uma espécie de terapia sócio-emocional grupal – se for isso mesmo, adeus psicólogos, psiquiatras e psicoterapeutas!
Naquela super ensolarada e quente manhã do domingo de verão, as conversas, dentro e fora da piscina, ainda rolavam em torno dos tópicos da noite anterior – meninos e fornos –, quando o meio irmão Kustuka chegou e perguntou se eles tinham lembrado de, além de girar o botão do forno do fogão, também mantê-lo apertado, até que o forno acendesse, pois era assim que a coisa funcionava. De prontidão, o Brumbe irmão, já pressentindo a gozação, correu pra casa e pro fogão em questão, pra testar a veracidade daquela afirmação, já reconhecendo sua perfeita correção antes mesmo de girar e apertar o tal botão. Voltando pra piscina, êle só fazia falar irônica e laconicamente: Me eximo de qualquer responsabilidade sobre isso, pois cansei de avisar que não entendo nada disso!...
Dá pra sacar que, pro resto do dia, o único assunto da turma foi a surra que o danado do botão dei em seus inaptos operadores, surgindo, inclusive a idéia de se registrar tal incrível façanha para a posteridade, e talvez, até, para a Rede Globo (em Cassetadas, Ciladas, Roubadas, ou coisa assim).
Findo o fim de semana, ao se despedirem, o irmão da casa reiterou e reclamou dizendo para os demais irmãos que esses encontros deveriam, e precisavam, se repetir com mais freqüência, mais amiúde, falando alguma coisa como: Oh, irmãos, não sumam tanto assim não! Vê se ocês aparecem mais por aqui, viu, seus sacanas!? Ao que todos concordaram, lembrando que da próxima vez, com certeza, iriam apreciar o tal do dvd do Pink Floyd; isso, se a CFDP(*) não os deixasse novamente no escuro, é claro!
Finalmente, vale ainda citar que, como a casa do Rafa era a única que ainda continuava sob o apagão, quando a equipe da CFDP(*) chegou, ainda no domingo, pra fazer a reparação, foi feita a constatação de que todo aquele apagão se dera devido a um puta curto-circuitão, causado por infiltração nos cabos do padrão do referido primeiro irmão.
1a. Conclusão (de caráter amplo, para o público em geral), ou inútil, pretensa e provavelmente falsa moral da história, visto que essa história não pretende ter moral nenhuma: Onde dois, três, quatro ou mais metem a mão, dificilmente resulta boa solução.
2a. Conclusão (de caráter específico, para o causo em questão): Quatro irmãos, de “fogão”, num apagão, jamais conseguirão girar e apertar, simultaneamente, um mísero botão para acender o forno de um simples fogão.
3a. Conclusão (de caráter pessoal, para o redator do causo): Esse tipo de encontro, esse convívio, mais freqüente, fraterno, saudável e amoroso com os irmãos, representa um passo precioso e fundamental no recém instaurado processo de libertação do isolamento e da solidão do irmão da casa em questão; ou seja, significa um importante degrau na busca da consolidação da verdadeira elevação e redenção, na autentica tentativa de progressão de um mísero, fraco, ignorante e titubeante ser humano em direção à superação e à evolução.
(*) CFDP: Leia-se “cefedepe”. Entenda-se “cemigfiladaputa!!!” (um puta palavrão)
Nenhum comentário:
Postar um comentário