segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Intersecao Temporal

Interseção Temporal

A missão fora muito bem sucedida: dos oito alvos selecionados, cinco (uma fábrica de munições de artilharia pesada, duas de armas leves, um aeroporto militar de apoio e um laboratório de aparelhos eletrônicos) estavam totalmente destruídos e os outros três (duas montadoras de veículos de esteira e uma usina termoelétrica) seriamente danificados e fora de operação por, no mínimo, seis meses – poderia-se dizer que o nível de êxito fora de 85%, por baixo. De volta para a ilha, a esquadrilha, composta de seis bombardeiros Hurricane, já havia cruzado dois terços do canal, retornando, intacta, sem baixas nem maiores danos, de mais uma incursão de bombardeio noturno no continente. Guardando a posição à direita na retaguarda da formação em duplo “v” da esquadrilha, estava o avião do tenente-coronel-aviador Stuart McHarris, na função de co-piloto e navegador.
Naquela manhã de maio de 1942, porém, uma forte tempestade, decorrente de uma imensa massa de CBs (nuvens Cúmulos-Nimbus), incomum naquela época do ano, se formara sobre o extremo sudeste da ilha, bem na rota de reentrada da esquadrilha em direção à sua base. Mudar o trajeto era impossível, os níveis de combustível das aeronaves não permitiam. E no momento exato em que os aviões penetraram nas densas nuvens, a tempestade começou a manifestar-se com uma intensidade de descargas elétricas raramente registrada naquela região.
Com menos de trinta segundos de vôo turbulento dentro daquela gigantesca massa cinzenta, uma fortíssima descarga elétrica envolveu completamente a aeronave de Stuart danificando seus instrumentos de tal forma que a tripulação foi obrigada a saltar de pára-quedas, abandonando-a por total insegurança de continuar voando. Como pularam todos praticamente juntos, durante a descida para terra cada um dos tripulantes podia ver, num raio de 200 metros, todos os outros companheiros. Todos contaram cinco, mas deveriam contar seis, faltava um. Já em terra, ao se reencontrarem, constataram: faltava Stuart.
Os destroços do Hurricane foram localizados, no dia seguinte, há poucos quilômetros do acidente. Peritos e técnicos da RAF vasculharam e examinaram minuciosamente cada pedaço, não encontrando sinal algum do corpo do co-piloto, nem o menor vestígio de sangue. Estranhamente seu pára-quedas continuava ali, perfeito e intacto, no encosto do seu assento no avião. E mais estranho ainda: o banco estava todo chamuscado, como se o corpo tivesse sido incinerado na posição exata em que estivera sentado.
Stuart McHarris, tenente-coronel-aviador da RAF (Royal Air Force), 34 anos, cidadão inglês de Manchester, jamais foi encontrado, vivo ou morto.

Havia transcorrido pouco mais de duas horas de viagem quando o Airbus A-320 da TAM, em seu vôo de número 3890 na rota direta Recife-Manaus, começara a cruzar os céus do sul do Maranhão, naquela terça-feira, 27 de março de 2007, às 08:15 horas da manhã. Como freqüentemente ocorre naquela região nesta época do ano, uma rápida, mas forte, tempestade de final de verão se formara interceptando precisamente a rota do 3890. Assim que o avião entrou nas espessas nuvens CBs, uma intensa tempestade elétrica teve inicio com contínuos raios envolvendo completamente a aeronave por todos os lados. Uma das descargas foi tão potente e circulou tão próxima do avião que gerou altas correntes elétricas induzidas na asa direita – onde, inadvertidamente, na última manutenção preventiva, uma pequena ferramenta metálica fora deixada, estabelecendo um perigoso contato metálico com os tanques de combustível. Foi fatal. O faiscamento elétrico provocou a imediata ignição e explosão da massa de 30.000 litros de querosene que ainda restava nos tanques.
No dia seguinte, os destroços do Airbus foram encontrados há poucos quilômetros do desastre. Nenhum sobrevivente. Equipes de socorro trabalharam durante cinco dias ininterruptamente para localizar e resgatar os corpos dos 129 passageiros e 6 tripulantes do avião. Obtiveram êxito com 134, mas faltou um, apenas um: o passageiro da poltrona 22D, o biólogo Estevão Andrade da Silva, 34 anos, paulista de Ribeirão Preto. Uma coisa inusitada e inexplicável os oficiais da aeronáutica notaram, por época das perícias técnicas sobre as causas do acidente: o assento e o encosto da poltrona 22D apresentavam estranhas marcas de queimadura, estavam chamuscados e carbonizados, delineando o contorno da figura exata do corpo de um homem adulto que ali mesmo houvesse sido incinerado. As perícias e as buscas se encerraram poucos dias depois, sem que o corpo do Sr. Andrade da Silva tivesse sido encontrado. Foi dado como desaparecido.

Agreste nordestino brasileiro, em plena caatinga, quase um deserto, onze dias após, há cerca de vinte quilômetros ao norte do local da queda do avião: um pequeno grupo de lavradores, voltando da sua pequena e magra roça de milho e feijão, pela estradinha poeirenta, debaixo de um sol das cinco da tarde, ainda inclemente e abrasador, depara-se com um estranho homem vestido com roupas muito esquisitas – parecia com aqueles macacões que os trabalhadores da usina usam, acrescido de vários bolsos extras, no peito, nos braços e nas pernas, e um monte incontável de plaquetas e etiquetas coloridas, cheias de letrinhas e números indecifráveis (ainda mais por um bando de analfabetos).
O grupo, simples e gentilmente, apenas cumprimenta o homem, com seu costumeiro e humilde “tarde”. Não há resposta. Somente ouvem do homem uma fala monótona e mecânica, que para aqueles pobres roceiros, era ainda mais incompreensível e enrolada que suas vestes. Êle apenas dizia, repetida e incessantemente: I’m the aviator-lieutenant-colonel McHarris Stuart, serial number 44632785, of the fifty-third squadron of the RAF, based in New Hampshire, United Kingdom.

Robert Silvercore

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