Alguém irremediavelmente viciado em escritas e estrelas, projetando palavras interiores em espaços exteriores.
terça-feira, 10 de dezembro de 2013
Umbutu
UMBUTU
(algumas considerações, no facebook, sobre Nelson Mandela)
Roberto Correa post em 05/12/13
Umbutu é uma expressão em Zulu (África do Sul) que tem um significado muito rico e de difícil tradução. Pode ser entendida como uma combinação e uma síntese de Gentileza, Espírito Humanitário, Delicadeza, Atenção, Humildade, Compaixão e Bondade.
É considerado o modo fundamental de como o povo Zulu encara a vida.
Algumas tentativas de tradução e interpretação, encontradas no Google:
“O homem não é uma ilha, ele é o que é por causa dos outros” ou “Eu sou porque você é” ou “A humanidade dos outros é muito mais importante do que a minha”.
Umbutu!
Quem gostava muito de dizer isso era o Nelson Mandela.
Quem dera os políticos brasileiros soubessem o que isso significa, quem dera!
Neste fim de ano, e ao longo de todos os próximos anos:
Umbutu pra você!
Umbutu pra todos nós!
Pepeu Sorrentino post em 07/12/13
Agora eu vou causar.....direitosos, podem me xingar, eu mereço....mas leiam (Mauro Panzera) pra ficarem com bastante raiva....
Mauro Panzera post em 07/12/13
Nelson Mandela desrespeitou as leis de seu país. Ajudou a promover saques. Participou de ataques a lojas que destruíram patrimônio de terceiros. Viajou com documento falso, provavelmente levando dinheiro escondido em cuecas e de origem não explicável legalmente. Ele usou nome falso. Foi um subversivo da pesada. Por iss...o foi preso, num julgamento monitorado por toda a mídia. Ele entrou nas listas de terrorista da Inglaterra e dos EUA.
Enquanto ficou preso, sua vida era uma espécie de Big Brother e seus crimes eram explicados para a população pela mídia livre. Depois que se elegeu presidente, mostrou que não aprendeu nada com a prisão. Teve vários membros de seu círculo próximo acusados de corrupção e outros delitos. Ainda assim, Mandela, na maior cara de pau, promoveu políticas de distribuição de renda, tirou recursos dos ricos para os pobres. Resolveu alinhar a África do Sul num tal de BRICS para tentar subverter a ordem econômica mundial.
Não se iluda, se fosse brasileiro, Mandela estava na Papuda.
Roberto Correa comentou em 07/12/13:
Prezado Mauro Panzera. Tudo que vc disse sobre o Mandela eu já sabia, e acho que isso pode render belas, extensas e exaustivas discussões sócio-político-ideológicas, que eu prefiro tratar numa quente mesa de boteco do que numa fria tela de computador (e que fique bem claro que isso é um problema meu, porque eu só consigo discutir Política, Futebol e Religião, bebendo, e muito! – se algum dia desses eu tiver o prazer da sua companhia numa mesa de bar, quem sabe?)
Mas, eu não sabia uma coisa que vc disse, justamente a última, e que achei muito interessante: o Mandela tentou “subverter a ordem econômica mundial” a favor, ou através, dos BRICS. Então, lembrando que o B dessa sigla é o Brasil, eu pergunto: Se o Mandela tivesse conseguido efetuar mais essa “subversão”, isso não teria sido ótimo para a economia brasileira e para nós brasileiros?!
Pepeu Sorrentino comentou em 08/12/13:
Roberto Correa você teria imenso prazer de bebericar umas cervejinhas com meu camarada Mauro Panzera...mas uma coisa me chamou a atenção nesse post, pelo menos da minha humilde e mal intencionada participação: cadê os direitóides? Ninguém nem se atreve a comentar....Mandela, assim como todos os líderes de esquerda admirados pela cultura pop, são um grande enigma, para os modernetes com camiseta do Che Guevara...que lo chupen, e que sigan chupando, como diria um grande ídolo da esquerda: argentino, simpatizante de Chaves e Fidel e igualmente polêmico....
Mauro Panzera comentou em 08/12/13:
Caro Roberto Correa, como diz o grande Pepeu Sorrentino, teremos prazer em molhar a garganta juntos um dia. Reparou que todas as "críticas" ao Mandela são tão positivas quanto a q vc exemplificou? O texto é uma mera ironia escrita em Dialeto Coxinha...sejamos subversivos, como Mandela. Me deve um cerveja...abs
Roberto Correa comentou em 09/12/13:
Prezados Pepeu e Mauro, que bom que vcs concordam que essa conversa somente pode ser possível, saudável e produtiva se regada a muita cerveja (mas eu vou preferir whisky ou vinho). É que, para mim, cada um dos pontos citados pelo Mauro devem, e merecem, ser tratados com a mesma intensidade que estamos dedicando a este ponto (o do BRICS). Numa mesa de boteco tudo flui de forma incrivelmente mais fácil, lúcida, rápida e conclusiva. Já pensou: cada um dos tópicos que o Mauro levantou pode gerar uma ou mais crônicas, e tudo junto pode compor um ou mais livros! E eu não pretendo postar ou publicar nada disso, só quero uma boa conversa com pessoas que saibam conversar sobre isso.
Mas, antes que os copos sejam colocados na mesa e as garrafas sejam abertas, quero adiantar rapidamente apenas duas questões:
Sou de uma geração que viveu um pouco mais de perto (e sofreu na carne, inclusive) os conflitos sócio-político-ideológicos que aconteceram na América Latina nos anos 1960 e 70. Creio que o meu conhecimento, ainda que pouco, e a minha visão e interpretação dessa parte da nossa história, são bem diferentes dos desses meninos que usam camiseta com estampa do Che (aliás, não tenho e nem quero ter uma, prefiro uma dos Beatles ou do Led Zeppelin). Assim como não compartilho de forma alguma com o pensamento e os “ideais” dos Chaves, dos Lulas e dos Morales, que andam por aí: seus mentores simplesmente não entendem o que seja uma real Democracia Socialista, ou Socialismo Democrático, que possa perfeitamente conviver com o Capitalismo, e vice-versa, como duas boas faces da mesma moeda. Ou então, o que é pior e mais preocupante ainda, desvirtuaram tudo isso em proveito próprio, da sua “turma”, ou a favor de outro “sistema”. Para mim, e para muita gente boa que eu conheço, o real Socialismo e o real Capitalismo têm concepções, ideais e propósitos muito superiores aos que são hoje praticados pelos sistemas sócio-político-econômicos vigentes (acho que nem mesmo o pessoal que fez a Revolução Russa de 1917 entendeu, ou quis por em prática, isso). E mais: se o Guevara ou o Lamarca estivesse vivo e se comportando como os seus antigos “camaradas”, teriam, por mim, a mesma reputação daqueles: estaria agindo numa puta ação, por pura putação!
Quanto à pergunta que fiz, no final do meu comentário anterior, eu mesmo respondo: Se o Mandela tivesse obtido sucesso na sua tentativa de “subverter a ordem econômica mundial”, através e, logicamente, a favor do BRICS, é óbvio que isso seria tremendamente benéfico não só para a África do Sul como também para todos os outros quatro países integrantes desse (natimorto) bloco; pois, no mínimo, isto deveria representar alguma mudança nas atuais regras e condições do comércio mundial que tornassem mais justas e equilibradas as relações (balanças) comerciais para o lado dos países “emergentes” e mais pobres. Todos nós sabemos que há séculos a tal “ordem econômica mundial”, via OMC e outros organismos internacionais de “regulação, fiscalização e controle”, é ditada somente pelos países mais ricos que, obviamente, regulam, fiscalizam e controlam somente a seu favor. Querer mexer na “ordem econômica mundial” estabelecida é procurar encrenca brava, pura insanidade, é batalha perdida. É querer pegar a chave-mestra, bulir com a menina dos olhos, tomar a própria alma, do sistema econômico financeiro do capitalismo instituído. Coitado do Mandela! Nem que ele fosse neto do Ghandi, pai do Obama, cunhado da Thatcher, afilhado do Lênin e descendente direto de Cristo, Buda ou Maomé, ele jamais conseguiria fazer isso para o BRICS!
(A propósito, nunca concordei que esse C fosse da China. Acho que ela já é grandinha demais pra caber nesse grupinho. Que tal dar esse C pra Colômbia, pra uma das Coréias ou pra Cingapura? Ou então mudar a sigla pra BRISA, que além de bem mais apropriada e atualizada – Brasil, Rússia, Índia e South Africa – refletiria bem melhor o espírito e a importância do bloco: um ventinho que passa...)
Estou achando ótima essa nossa conversa, ela pode nos levar a muitas outras boas conversas, mas realmente pretendo continuá-la somente numa mesa de boteco.
Que abram as garrafas!!! Que desçam os copos!!!
Pepeu Sorrentino likes this em 10/12/13.
domingo, 1 de dezembro de 2013
O Sorriso do Corvo
O SORRISO DO CORVO
da série Ensaios Húngaros (Hungarian Essays)
Ele estava lendo um belo, longo, quente, saboroso e muito interessante livro (927 páginas, letras em arabic typesetting, tipo 8, capa dura, papel pólen soft reciclado). Era um desses que prendem tanto a atenção da gente que a gente não consegue se livrar facilmente deles antes do fim; antes que o fim, enfim, chegue e a história acabe, ou que nós mesmos nos acabemos de tanto ler no meio da história, antes do fim. Ele não estava de pé na porta, e muito menos com o pé na porta, o que pouco importa. Já estava confortavelmente sentado com pés livres de botas, lendo e esperando pelo cozido que estava sendo cozido na cozinha, o qual provinha de uma gaiola, onde estivera anteriormente engaiolado antes de ser degolado.
E tal tipo de comida, se antes, em vida, estava presa numa gaiola, só poderia ser alguma espécie de pássaro. Um bom galináceo, uma pomba, uma codorna, uma perdiz – quem sabe, quem diz? E o bicho, dentro da panela, não tinha nenhum pé, muito menos dois ou quatro – o que era muito bom, pois êle detestava comer pés de aves, assim como jamais comia mamíferos alados – e, principal e exatamente, talvez por isso mesmo, a tal ave depenada (e de pé nada) lhe parecia muito boa.
Mas, como ele era muito desconfiado e sempre suspeitava de aves que êle próprio não havia caçado – o que era o caso daquela, que ganhara de presente, sabe-se lá de quem..., – ele retirou seu capuz, ou melhor, sua carapuça, e correndo feito uma mula, a trote, quase a galope, pegou um forte anzol seguro numa argola e, antes que a filósofa coruja crocitasse, foi pra beira do rio tentar pegar ao menos uma boa traíra (uma que jamais trairia seu paladar), para o caso de uma necessária, emergencial, e nem tanto eventual, mudança repentina de cardápio.
Mais tarde, horas depois, ele foi visto nas redondezas, como um doido e com um vago olhar fixo, vidrado, muito estranho, dando uma longa volta antes de voltar pra casa. É que, na verdade, ele estava muito contrariado e envergonhado por estar com as mãos vazias, de peixes e anzóis. Isso jamais houvera acontecido antes e ele não conseguia entender se os havia perdido, ou distraidamente deixado na beira do rio, no frigorífico, na feira-livre, ou em casa mesmo.
Tudo isso parecia ser absolutamente normal e lógico. Mas, por mais que parecesse, não era. Não, absoluta e absurdamente, não. As coisas não estavam se desenrolando tão natural e normalmente como pareciam, ou deveriam, estar. Muito pelo contrário, estavam se enrolando cada vez mais nas tramas da rede que ele mesmo tramou, e na qual totalmente se enroscou. Porque, ao invés de ir pescar legalmente com vara e anzol, ele preferiu utilizar meios ilícitos, que a lei não permite: rede, tarrafa e dinamite.
Além disso, tudo parecia suspeitamente semelhante a um daqueles tipos de assalto feitos por pessoas inescrupulosas, sarcásticas, zombeteiras e de muito mau humor, que poderiam ter entrado facilmente dentro do seu bunker-casa, que ainda não dispunha de nenhum telhado; visto que tal falta de cobertura (arquitetônica e policial) certamente poderia ter facilitado em muito o roubo.
Decorridos 17 anos e alguns meses, investigações preliminares, efetuadas conjuntamente por MP, PF, RF, CPI, DEOESPam-DF, CPMF, ISS, STJ, STF e 52ª. DP/sucursal CPCBN (todas elas, instituições húngaras, claro!), apresentam uma discreta tendência a favor (melhor seria dizer “contra”?) desta segunda hipótese.
E então, o corvo, prévio detentor privilegiado de tal informação, negra ave agourenta de um espécime que era uma espécie de alarme alado vivo, para todas as horas – ainda comendo uma suja raiz cheia de fuligem que ele pegara por ali –, como era amigo fiel e incondicional (talvez, menos na “condicional”) do nosso sub-repticiamente anônimo personagem central, tocou o berrante no meio da mata e, com um sorriso meio maroto, como se fosse um cachorro, soltou um alto latido denunciando a presença do suposto e lerdo larápio, que ainda tentava fugir pra se esconder no meio do matagal.
(i)moral da história: sorrisos corvenientes, isto é, convenientes e coniventes, são próprios de corvos sorridentes.
(by Brumbe, pursued by a crow in Budapest)
(from his “ood to oot rhyme serie”)
sexta-feira, 8 de novembro de 2013
O Silêncio da Casa
O silêncio da casa
O silêncio da casa e o silêncio do lugar
são mais do que o silêncio de uma casa e o silêncio de um lugar.
São muito mais do que isso, mais do que esse lugar tão vulgar.
E esse “muito mais” é, como diria Fernando Pessoa,
um silêncio de vida (e eu digo, silêncio de pessoa).
Mas não o final e mortal silêncio da vida,
que esta, em mim, acho que ainda habita.
Mas, um silêncio de vida propriamente dita,
de vida em movimento, de vida que se agita.
Um silêncio de gente, de ruidosas e martelantes vozes,
de barulhos, de som, de coisas quebrando o silêncio,
como gente martelando e quebrando nozes.
Como depois de todo Natal, quando isso é fatal,
pois que é quando mais se ouve tal silêncio,
seja pro bem, seja pro mal.
(aliás, no Natal, só como depois do Natal,
pois a ceia, depois de tanto vinho que tomo,
de tão tonto, se insisto e como,
costuma cair meio mal)
Lucidamente voltando pra casa silenciosa
(mas nem por isso, de forma alguma, odiosa nem ociosa):
Esse silêncio não é um silêncio bom e nem é um silêncio ruim,
mesmo que às vezes um silêncio possa ser bom ou ruim,
ou possua simultaneamente essas duas qualidades opostas,
como um não e um sim,
de condições inescapavelmente impostas.
Não, ele não é bom nem ruim.
É somente um silêncio, que
(novamente como diria o grande Fernando Pessoa)
não me traz sossego e nem desassossego.
Perguntarias porque?
Talvez por que a ele não me apego.
É apenas silêncio.
Só ouço silêncio.
Silencio.
sexta-feira, 25 de outubro de 2013
Matemática, Música e Poesia
Matemática, Música e Poesia.
“Ondas serão da mesma forma de onda se contiverem as mesmas harmônicas, se as relações das harmônicas correspondentes para suas respectivas fundamentais forem as mesmas, e se estas harmônicas estiverem igualmente espaçadas em relação às suas fundamentais. Expressas de outro modo, para duas ondas de mesma forma, as relações das grandezas de harmônicas correspondentes devem ser constantes, e, quando as fundamentais estão em fase, todas as harmônicas correspondentes das duas ondas também devem estar exatamente em fase.” (1)
“Um corpo elástico (por exemplo, uma corda de violão) é tirado do seu ponto de repouso AB e levado à posição AmB. Soltando-se então, a corda, ela procura, devido à sua elasticidade, voltar ao ponto de repouso AB. Mas, não consegue parar no mesmo ponto. Porém, devido à tensão que nela foi produzida, ela vai até a posição AnB, de onde volta à posição AmB. E, assim, esse ciclo (que forma ondas), é repetido sucessivamente, até que a corda, perdendo gradativamente a sua tensão inicial, volta a repousar na posição AB. Esse movimento completo de vai-e-vem (mn-nm) de um corpo elástico (que pode ser qualquer corda movimentando-se no espaço) se chama ‘vibração’.” (2)
Um músico, um maestro ou um técnico de som que leia o primeiro parágrafo pode muito bem pensar que está lendo um livro de Teoria da Música (Noções de Acústica) ou algo parecido, assim como um físico, um engenheiro ou um matemático que leia o segundo parágrafo também pode perfeitamente deduzir que está diante de um livro de Física Quântica (Teoria das Cordas), Engenharia Elétrica (Ondas Não-Senoidais) ou de Matemática Superior (Harmônicas e Sub-harmônicas).
Mas é exatamente, precisamente, o contrário!
O primeiro parágrafo é para físicos, engenheiros e matemáticos, e o segundo é para músicos, maestros e técnicos de som.
Poderiam ser trechos de um mesmo livro? Sim, poderiam muito bem ser! Poderiam até ser trechos de um outro livro, nem de matemática, nem de física, nem de música, mas de Teoria e Composição de Poesia!
É muito interessante observar como até o vocabulário e as expressões usados nestas três ciências – sim, porque todas as três são ciências de alto nível –, e mesmo os próprios conceitos e definições atribuídos a esses vocábulos, se misturam, se repetem, se reforçam: amplitude, freqüência, seqüências, métricas, harmonias, cadencias, fases, ciclos, ondas, cordas, vibração, ruído, distorção, movimento, arranjos, rimas, ritmos, quadras, períodos, ressonâncias, grave, agudo, séries, progressões, escalas, diametrias, simetrias, assimetrias, intensidade, probabilidade, relatividade, incerteza, leveza, beleza, ... só para citar alguns.
Quem disse que em Engenharia não existe Poesia?! Pois a vejo nela todo dia! Poesias, por sinal, bastantes engenhosas! Equações que são sonetos! Poemas que são alicerces! Rimas que são vigas, tijolos, colunas! Belas colunas gregas, romanas, etruscas, que sustentam templos onde se ouve a Música dos deuses!
Quando eu ouço música, costumo ver números dançantes. Quando estudo matemática, vejo rimas riquíssimas, perfeitas. Quando leio poesia, encontro melodias e harmonias.
Não consigo ver uma equação matemática sem imediatamente associá-la a uma bela pauta musical. Não consigo ler uma boa poesia sem que automaticamente procure todas as suas relações métricas e cadências sonoras. Não consigo ouvir uma música sem instantaneamente conectá-la ao gráfico de uma longa e harmoniosa função ou progressão matemática.
Por exemplo, a Equação Geral da Circunferência [Xe2 + Ye2 – 2Xc.X – 2Yc.Y + Xce2 + Yce2 = Re2] é pura poesia! É o poema de um círculo perfeito de raio R e centro em Xc,Yc. É também a geratriz de formas de ondas espaciais chamadas senoidais ou senóidicas, que também caracterizam as ondas sonoras. Ou seja, a equação da circunferência é uma equação musical!
Se um dia inventarem um software que seja capaz de ler, traduzir e “tocar” equações matemáticas (e desconfio que isso já existe ou vai ser criado em breve) veremos que elas, e principalmente as equações geométricas, produzem pura música celestial.
Nos gráficos das funções e progressões matemáticas vejo as ondas, as oscilações, as pulsações e as vibrações que movimentam o universo e a vida. E mesmo que em alguns momentos e períodos, elas se apresentem com prenúncios e premonições de morte (evoluções e tendências decrescentes ou negativas), nem por isso deixam de evocar música e poesia, ainda que sinistras e mórbidas.
Quando estudo Matemática, mesmo com o rádio desligado, ouço música, harmonias, sinfonias e acordes, sonantes, dissonantes, retumbantes.
Acho incrível, mágico, fantástico, como essas três coisas – Matemática, Música e Poesia – (que não por acaso estão entre as coisas que eu mais gosto vida, depois de amor e sexo, claro!), se relacionam, se misturam, se complementam, se unificam!
Na verdade, para mim, as três são uma coisa só. Uma palavra, é um número, é uma nota musical. Um número, é uma nota, é uma palavra. Uma nota, é uma palavra, é um número – inclusive, no nosso mundo digital, todas as três são, de fato, constantemente convertidas numa coisa só: números binários: 1100011100111100101011100...
Aliás, há décadas que os grandes cientistas do planeta, principalmente os astrônomos, astrofísicos, ufólogos e similares, dizem que, se existem outras civilizações inteligentes no universo, só há duas linguagens possíveis para que se estabeleça um eventual contato: a Matemática ou a Música, ou, claro, as duas juntas – e eu acrescento, por minha conta e risco, a Poesia que, de certa forma, é uma soma de matemática mais música.
E eles dizem isso por uma razão muito simples: o próprio universo, e tudo que há nele, se organiza, funciona, movimenta e vive segundo Leis Físicas e Matemáticas que, obviamente, serão de pleno conhecimento e domínio de qualquer civilização minimamente inteligente que tenha poder para se lançar aos espaços interplanetários – essa idéia, inclusive, já foi muito explorada no cinema sci-fi. Lembram da música do “Contatos Imediatos de 3º. Grau”, com suas notas musicais bem nítidas, ritmadas, cadenciadas, como números?
Desnecessário dizer (mas vou dizer) que a matemática e a música deles têm símbolos e códigos deles, assim como as nossas têm símbolos e códigos nossos, claro! Mas nada que um pouquinho de esforço intelectual não resolva, né?! Assim como nos conseguimos decifrar e entender os intricados hieróglifos egípcios e as malucas escritas chinesas, japonesas e orientais que, pensando bem, são coisas de outros mundos – Por falar nisso, como é que os orientais entenderam o nosso abecedário? Nós é que ensinamos ou foram eles que decifraram?
E foi pensando exatamente nisso, que os americanos da NASA colocaram dentro da Voyager I – a sonda espacial lançada na década de 1970, que agora está saindo dos limites do Sistema Solar e ganhando o espaço interestelar – um CD com mensagens da Terra, pra qualquer ET inteligente tentar decifrar. O que está gravado naquele CD?! Muita coisa, mas, principal e essencialmente, matemática, música e poesia, por exemplo: o Teorema de Pitágoras, as medidas do Homem de Vitruvius, a fórmula H2O, Sinfonias de Beethoven, Bach e outros, Rock’n’Roll (nada de Beatles ou Stones, só Led Zeppelin!), muita literatura e poesia falando da vida no planeta (só não me lembro dos autores), e também muita imagem digitalizada (pessoas, animais, cidades, etc).
O fato é que, seja quem for que coloque as mãos – ou os tentáculos ou as garras – naquele CD, se não conhecer matemática, música e poesia, não vai entender absolutamente nada, pode jogar fora!
O universo vai nos conhecer, mesmo que não estejamos mais aqui, através da Matemática, da Música e da Literatura, principalmente Poesia.
A propósito e ainda em tempo: se Deus realmente existe, como uma “entidade” ou “ser” único, conforme a maioria das religiões defende, podem ter certeza de que Ele é o nosso maior Matemático, Músico e Poeta!
Não é por acaso que a história da humanidade está cheia de exemplos de grandes homens e mulheres que foram, simultaneamente, bons músicos, bons poetas e bons em matemática.
Estude matemática, ouça música, leia poesia. Se possível, no mesmo espaço-tempo!
(1) Kerchner, Russel e Corcoran, George – Circuitos de Corrente Alternada – Porto Alegre – 1973. (págs. 229 e 230)
(2) Lacerda, Osvaldo – Teoria Elementar da Música – São Paulo – 1966. (pág. 139)
sexta-feira, 4 de outubro de 2013
Um pouco mais de Fernando Pessoa
Um pouco mais de FERNANDO PESSOA (*)
“Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa: ‘Navegar é preciso; viver não é preciso’. Quero para mim o espírito desta frase, transformada a forma para a casar com o que eu sou: Viver não é necessário; o que é necessário é criar”. (FP)
SÚBITA MÃO DE ALGUM FANTASMA OCULTO
Súbita mão de algum fantasma oculto
Entre as dobras da noite e do meu sono
Sacode-me e eu acordo, e no abandono
Da noite não enxergo gesto ou vulto
Mas um terror antigo, que insepulto
Trago no coração, como de um trono
Desce e se afirma meu senhor e dono
Sem ordem, sem meneio e sem insulto.
E eu sinto a minha vida de repente
Presa por uma corda de Inconsciente
A qualquer mão noturna que me guia.
Sinto que sou ninguém salvo uma sombra
De um vulto que não vejo e que me assombra,
E em nada existo como a treva fria.
LEVE, BREVE, SUAVE
Leve, breve, suave,
Um canto de ave
Sobe no ar com que principia
O dia.
Escuto, e passou...
Parece que foi só porque escutei
Que parou.
Nunca, nunca, em nada,
Raie a madrugada,
Ou esplenda o dia, ou doire no declive,
Tive
Prazer a durar
Mais do que o nada, a perda, antes de eu o ir
Gozar.
DORME SOBRE O MEU SEIO
Dorme sobre o meu seio,
Sonhando de sonhar...
No teu olhar eu leio
Um lúbrico vagar.
Dorme no sonho de existir
E na ilusão de amar.
Tudo é nada, e tudo
Um sonho finge ser.
O espaço negro é mudo.
Dorme, e, ao adormecer,
Saibas do coração sorrir
Sorrisos de esquecer.
Dorme sobre o meu seio,
Sem mágoa nem amor...
No teu olhar eu leio
O íntimo torpor
De quem conhece o nada-ser
De vida e gozo e dor.
QUALQUER MÚSICA...
Qualquer música, ah, qualquer,
Logo que me tire da alma
Esta incerteza que quer
Qualquer impossível calma!
Qualquer música – guitarra,
Viola, harmônio, realejo...
Um canto que se desgarra...
Um sonho em que nada vejo.
Qualquer coisa que não vida!
Jota, fado, a confusão
Da última dança vivida...
Que eu não sinta o coração!
TENHO DÓ DAS ESTRELAS
Tenho dó das estrelas
Luzindo há tanto tempo,
Há tanto tempo...
Tenho dó delas.
Não haverá um cansaço
Das coisas,
De todas as coisas,
Como das pernas ou de um braço.
Um cansaço de existir,
De ser.
Só de ser.
O ser triste brilhar ou sorrir...
Não haverá, enfim,
Para as coisas que são,
Não a morte, mas sim,
Uma outra espécie de fim,
Ou uma grande razão –
Qualquer coisa assim
Como um perdão?
DÁ A SURPRESA DE SER
Dá a surpresa de ser.
É alta, de um louro escuro.
Faz bem só pensar em ver
Seu corpo meio maduro.
Seus seios altos parecem
(Se ela estivesse deitada)
Dois montinhos que amanhecem
Sem ter que haver madrugada.
E a mão do seu braço branco
Assenta em palmo espalhado
Sobre a saliência do flanco
Do seu relevo tapado.
Apetece como um barco.
Tem qualquer coisa de gomo.
Meu Deus, quando é que eu embarco?
Ó fome, quando é que eu como?
NÃO, NÃO DIGAS NADA!
Não, não digas nada!
Supor o que dirá
A tua boca velada
É ouvi-lo já.
É ouvi-lo melhor
Do que dirias.
O que és não vem à flor
Das frases e dos dias.
És melhor do que tu.
Não digas nada, sê!
Graça do corpo nu
Que invisível se vê.
AUTOPSICOGRAFIA
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama o coração.
LIBERDADE
Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada,
O sol doira
Sem literatura.
O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo, não tem pressa...
PRESSÁGIO
Vinham, louras, de preto
Ondeando até mim
Pelo jardim secreto
Na véspera do fim.
Nos olhos toucas tinham
Reflexos de um jardim
Que não o por onde vinham
Na véspera do fim.
Mas passam... Nunca me viram
E eu quanto sonhei afim
A essas que se partiram
Na véspera do fim.
EU
Sou louco e tenho por memória
Uma longínqua e infiel lembrança
De qualquer dita transitória
Que sonhei ter quando criança.
Depois, malograda trajetória
Do meu destino sem esperança,
Perdi, na névoa da noite inglória,
O saber e o ousar da aliança.
Só guardo como um anel pobre
Que a todo o herdado só faz rico
Um frio perdido que me cobre
Como um céu dossel de mendigo,
Na curva inútil em que fico
Da estrada certa que não sigo.
O GUARDADOR DE REBANHOS
Há metafísica bastante em não pensar em nada.
O que penso eu do mundo?
Sei lá o que penso do mundo!
Se eu adoecesse pensaria nisso.
Que idéia tenho eu das coisas?....
Que tenho eu meditado sobre deus e a alma,
E sobre a criação do mundo? Não sei.
Para mim pensar nisso é fechar os olhos e não pensar.
É correr as cortinas da minha janela
(mas minha janela não tem cortinas).
O mistério das coisas? Sei lá o que é mistério!
O único mistério é haver quem pense no mistério. ...
O único sentido íntimo das coisas
É elas não terem sentido íntimo nenhum.
O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia.
O Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia.
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia. ...
Pelo Tejo vai-se para o mundo.
Para além do Tejo há a América. ...
O rio da minha aldeia não faz pensar em nada.
Quem está ao pé dele está só ao pé dele.
Da verdade não quero mais que a vida,
Que os deuses dão vida e não verdade,
Nem talvez saibam qual a verdade.
MARINHA
Ditosos a quem acena
Um lenço de despedida!
São felizes: têm pena...
Eu sofro sem pena a vida.
Dôo-me até onde penso,
E a dor é já de pensar,
Órfão de um sonho suspenso
Pela maré a vazar...
E sobe até mim, já farto
De improfícuas agonias,
No cais de onde nunca parto,
A maresia dos dias.
TABACARIA
Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo. ...
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.
Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas. ...
Estou perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu. ...
Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa. ...
Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo? ...
Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo
como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa,
ou nem uma coisa nem outra.
Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim. ...
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.
Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos....
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma conseqüência
de estar mal disposto. ...
Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.
(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira, talvez fosse feliz)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças)
Ah, conheço-o: é o Esteves sem metafísica.
(o Dono da Tabacaria chegou à porta)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me,
Acenou-me adeus, gritei-lhe: Adeus, ó Esteves!
E o universo reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança,
e o Dono da Tabacaria sorriu.
ESCRITO NUM LIVRO ABANDONADO EM VIAGEM
Venho dos lados de Beja.
Vou para o meio de Lisboa.
Não trago nada e não acharei nada.
Tenho o cansaço antecipado do que não acharei,
E a saudade que sinto não é nem no passado nem no futuro.
Deixo escrita neste livro a imagem do meu desígnio morto:
Fui, como ervas, e não me arrancaram.
GAZETILHA
Dos Lloyd Georges da Babilônia
Não reza a história nada.
Dos Briands da Assíria ou do Egito,
Dos Trotskys de qualquer colônia
Grega ou romana já passada,
O nome é morto, inda que inscrito.
Só o parvo dum poeta, ou um louco
Que fazia filosofia,
Ou um geômetra maduro,
Sobrevive a esse tanto pouco
Que está lá para trás no escuro
E nem a história já historia.
Ó grandes homens do Momento!
Ó grandes glórias a ferver
De quem a obscuridade foge!
Aproveitem sem pensamento!
Tratem da fama e do comer,
Que amanhã é dos loucos de hoje!
PECADO ORIGINAL
Ah, quem escreverá a história do que poderia ter sido?
Será essa, se alguém a escrever,
A verdadeira história da humanidade.
O que há é só o mundo verdadeiro, não é nós, só o mundo;
O que não há somos nós, e a verdade está aí.
Sou quem falhei ser.
Somos todos quem nos supusemos.
A nossa realidade é o que não conseguimos nunca. ...
POEMA EM LINHA RETA
Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil, ...
Eu que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo, ...
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante, ...
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel, ...
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado, ...
Eu, que tenho sofrido a angustia das pequenas coisas ridículas, ...
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
Toda gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe – todos eles príncipes – na vida...
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse não uma violência, mas uma covardia!
Não, são todos o Ideal, se os ouço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra? ...
O SONO QUE DESCE SOBRE MIM
O sono que desce sobre mim,
O sono mental que desce fisicamente sobre mim,
O sono universal que desce individualmente sobre mim,
Esse sono
Parecerá aos outros o sono de dormir,
O sono da vontade de dormir,
O sono de ser sono.
Mas é mais de dentro, mais de cima:
É o sono da soma de todas as desilusões,
É o sono da síntese de todas as desesperanças,
É o sono de haver mundo comigo lá dentro
Sem que eu houvesse contribuído em nada para isso.
O sono que desce sobre mim
É contudo como todos os sonos.
O cansaço tem ao menos brandura,
O abatimento tem ao menos sossego,
A rendição é ao menos o fim do esforço,
O fim é ao menos o já não haver que esperar.
Há um som de abrir uma janela,
Viro indiferente a cabeça para a esquerda
Por sobre o ombro que a sente,
Olho pela janela entreaberta:
A rapariga do segundo andar de defronte
Debruça-se com os olhos azuis à procura de alguém.
De quem?,
Pergunta a minha indiferença.
E tudo isso é sono.
Meu Deus, tanto sono! ...
DAÍ-ME ROSAS E LÍRIOS
Daí-me rosas e lírios,
Daí-me flores, muitas flores.
Quaisquer flores, logo que sejam muitas...
Não, nem sequer muitas flores, falai-me apenas
Em me dardes muitas flores.
Nem isso... Escutai-me apenas pacientemente quando vos peço
Que me deis flores,
Sejam essas as flores que me deis...
Ah, a minha tristeza dos barcos que passam no rio,
Sob o céu cheio de sol!
A minha agonia da realidade lúcida!
Desejo chorar absolutamente como uma criança ...
O homem que apara o lápis à janela do escritório
Chama pela minha atenção com as mãos do seu gesto banal.
Haver lápis e aparar lápis e gente que os apara à janela,
É tão estranho!
É tão fantástico que estas cousas sejam reais!
Olho para ele até esquecer o sol e o céu.
E a realidade do mundo faz-me dor de cabeça.
A flor caída no chão.
A flor murcha (rosa branca amarelecendo)
Caída no chão...
Qual é o sentido da vida?
DESASSOSSEGO
Não desembarcar não tem cais onde se desembarque.
Nunca chegar implica em não chegar nunca.
(*) Extraídos do livro “Mensagem” de Fernando Pessoa, única obra publicada durante a vida do autor, e considerada por muitos como a sua obra-prima.
É melhor Um Pouco Mais de Fernando Pessoa
do que Um Muito Menos de Qualquer Pessoa.
Robert Silver Korea
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Miscellaneous / Miscelaneos
terça-feira, 1 de outubro de 2013
Fullgas
Fullgas
Tudo é fugaz,
e quando fica,
fica cheiro de gasolina.
Nitroglicerina ou Naftalina?
Fica cheio de gasolina,
full of gas.
No painel do carro:
Fullgas,
vai longe.
600 quilômetros,
no mínimo.
No painel da vida:
Fugaz,
passa rápido.
5 minutos,
no máximo.
E, num final vulgar,
sobre a folhagem verde dos olhos de Zel,
sobra a fuligem cinzenta de óleo diesel.
Aliás,
while full of gas,
além de fugaz,
tudo é folgaz.
Isto é,
enquanto cheio de gás,
além de rápido e passageiro,
todo mundo é brincalhão e zombeteiro.
quinta-feira, 5 de setembro de 2013
Médicos Vai-e-Volta
Médicos Vai-e-Volta
(uma
breve crônica medicinal)
Tem
uma coisa que me deixou bastante encafifado, grilado, ensimesmado mesmo, enquanto
fazia os meus exames médicos periódicos, os tais check-ups gerais, nessas duas
últimas semanas.
É
que, como raramente vou a médicos, reparei (e me deparei ou derrapei) num
quadro médico generalizado muito interessante, preocupante e sintomático –
ainda que eu ainda não saiba exatamente sintoma de quê (*):
Os
médicos de hoje em dia não sabem resolver, ou diagnosticar, as questões mais simples
e salutares em uma única, suficiente e saudável consulta médica.
A
gente vai, e sempre tem que voltar pelo menos uma segunda vez! É sempre esse
vai-e-volta danado!
Fui
ao oftalmologista pra ver as córneas, e tive que voltar pra olhar as retinas.
Fui
ao cardiologista pra, claro, mostrar o coração, e tive que voltar pra exercitar
o pulmão e o resto da respiração.
Fui
ao laboratório pra tirar sangue, e tive que voltar – neste caso,
justificadamente – pra pegar os resultados.
Fui
ao proctologista pra me submeter ao exame de toque de próstata, e.... ah, bom,
ainda bem que pra isso não tive que voltar! Pelamordedeus, né?! Já pensou ter
que sofrer mais de uma penetração dedal via anal no espaço-tempo de apenas um ânus,
digo, um ano?! Aí já seria, literalmente, muita sacanagem!
E
não sei por que, no exato momento deste besta e desconcertante exame, mesmo na anômala
e esquisita posição de quadrúpede em que me encontrava, me peguei a pensar,
certamente pra mudar de focus, que o médico ideal para esta especialidade talvez
fosse melhor um cubano, um curitibano, um curupira, um cuiabano, um curumim, um
cubatense... ou um kuderquistanês.
Pois é, nesse constante vai-e-volta, de médico em
médico, é naturalmente inevitável que ocorram conflitos de agenda ou
sobreposições de datas e horários: foi quando o segundo oftalmologista me
propôs marcar a sua segunda consulta pro mesmo dia e hora da consulta que eu
tinha já marcado com o proctologista. Então, pensei lá comigo, mas não ousei
falar com ele, pela simples falta de intimidade médico-paciente: Bela,
interessante e irreCUsável proposta! Uma proposta nada indecente! Ele quer que
eu examine os olhos da cara ao invés do olho do CUmpadre!
Em
tempo: todos os meus exames deram resultado positivo (positivo na inequívoca acepção
positiva da palavra Bom, de coisa boa, é claro!), principalmente os mais
importantes, o do coração, o anti-HIV e o de próstata.
(*)
Mas DESCONFIO que isso se deve a dois fatores principais que, aliados, se
reforçam permanentemente: 1) o crescimento constante das “especializações” e “sub-especializações”
médicas (movimento traiçoeiramente contrário à boa e saudável visão holística,
integralizada, do mundo e da vida!), que faz com que o que era feito por apenas
um médico passe a ser executado por dois ou mais, e, 2) a baixa remuneração que
os médicos recebem do INSS e dos Planos de Saúde, que incentiva-os a marcar desnecessárias
consultas consecutivas – o que poderia perfeitamente ser avaliado em apenas uma
consulta é realizado em duas ou mais.
Exemplo
real, onde estas duas coisas PODEM ter ocorrido: Um médico avaliou uma certa coisa
na parte da frente, outro médico, em outra consulta, avaliou a mesma coisa na
parte de trás. O primeiro concluiu sua parte, mas o segundo pediu que eu voltasse
pra fazer “um exame mais profundo”. Nesse exame confirmou-se a necessidade de
uma pequena e corriqueira intervenção para corrigir uma pequena anomalia, que,
segundo o próprio segundo, poderia ser feita ali mesmo, rapidamente, no
consultório. Mas ele não tinha, naquele momento, o aparelho necessário pra
isso. O segundo médico, então, me encaminhou a um terceiro para realizar o tal procedimento.
Ainda não fui ao terceiro. Será que vai aparecer um quarto?! (se sim, espero
que não seja um quarto de hospital!)
Aos
pacientes resta manter a paciência!
Aliás,
pra finalizar, tenho uma sugestão para os jovens médicos que queiram adquirir
experiência profissional e ficar rico, rapidamente, nas grandes capitais
(aqueles que não querem, não podem ou se sentem impedidos de, ir pra Amazônia,
pro Nordeste, pro interiorzão ou pras periferias): Montem clínicas exclusivas
para check-ups gerais que façam tudo, todos os exames, dos pés à cabeça, num
único dia! Sugiro até alguns nomes, bonitos, chamativos, americanizados: Clínica
One-Way, Clínica Non-Stop, Clínica GOBO (Go-One, Back-One, ou seja, Uma Ida,
Uma Volta).
Funcionariam
mais ou menos assim: a pessoa entra, de jejum, às 6hs da manhã, faz todos os
exames laboratoriais, toma um bom café da manhã, faz uma batelada de exames,
almoça, faz outra bateria, e só sai à tardinha ou à noite, com TUDO feito.
Exceção apenas para os resultados, que poderiam ser entregues em outro dia. Poderiam
até mesmo criar um “pacote executivo”, um “Super-Fast”, em que tudo seria feito
numa única manhã!
Claro
que as situações médicas excepcionais, que fujam às condições normais de
temperatura (ambiental e corporal), pressão (atmosférica e arterial), batimento
cardíaco, fluidez sanguínea vascular, estado psíquico e psicológico, funcionamento
dos sistemas nervosos central e periférico, articulações motoras, flexibilidade
muscular, integridade óssea, humor nas salas de espera, adaptação às refeições,
relacionamento com as recepcionistas, receptividade a outros relacionamentos, inclusive
com outros pacientes devido aos longos períodos de convivência em grupo, etc, seriam
tratadas à parte, em outras idas e voltas.
Tudo
bem, o paciente VAI num dia, faz TODOS os exames, e VOLTA em outro dia, pra
pegar TODOS os resultados. Mas, pelo menos, esse fatídico e irritante ciclo de
Vai-e-Volta ocorreria uma única vez! E por falar em ocorreria, ou correria, a
procura por este tipo de serviço teria imensa ocorrência, pois ocorreria,
serviria, interessaria a todas as pessoas que vivem sujeitas à correria das
cidades grandes, isto é, todo mundo.
sexta-feira, 2 de agosto de 2013
The doubt essential to faith
(tradução em Português, logo
adiante)
Lesley Hazleton is a psychologist by training andMiddle
East reporter by experience. British-born, she has spent the last
ten years exploring the vast and often terrifying arena in which politics and
religion, past and present, intersect. She's written about the history of the
Sunni/Shi'a split, as well as books on two of the Bible's most compelling
female figures: Mary and Jezebel.
Her latest book is The First Muslim, a new look at the life of Muhammad, the founder of Islam. In researching her book, she sat and read the full Koran again -- exploring the beauty and subtlety in this often-misquoted holy book. As she says: " I’m always asking questions — not to find “answers,” but to see where the questions lead. Dead ends sometimes? That’s fine. New directions? Interesting. Great insights? Over-ambitious. A glimpse here and there? Perfect."
Transcrição de palestra proferida e publicada no site TED (Technology, Entertainment and Design), em Junho-2013.
como
agnóstica, posso ainda ter fé. Eu tenho fé, por exemplo, que a paz no Oriente
Médio é possível apesar do acúmulo maciço de evidencias em contrário. Eu não
estou convencida disso. Eu posso firmemente dizer que acredito nisso. Eu posso
somente ter fé nisso, entregando-me à idéia disso, e faço isso precisamente devido
à tentação de erguer minhas mãos em resignação, baixar a cabeça e me retirar em
silêncio.
author of “The First Muslim”, a new look at the life of
Muhammad.
Writing
biography is a strange thing to do. It's a
journey into the foreign territory of somebody
else's life, a journey, an
exploration that can take you places you never
dreamed of going and still
can't quite believe you've been, especially
if, like me, you're an agnostic Jew and the life
you've been exploring is that of
Muhammad.
Five years
ago, for instance, I found
myself waking each morning in misty Seattle to what I
knew was an impossible question: What actually
happened one desert
night, half the
world and almost half of history away? What
happened, that is, on the night
in the year 610 when Muhammad
received the first revelation of the Koran on a mountain
just outside Mecca? This is the
core mystical moment of Islam, and as such,
of course, it defies
empirical analysis. Yet the
question wouldn't let go of me. I was fully
aware that for someone as secular as I am, just asking
it could be seen as pure
chutzpah. (Laughter)
And I plead
guilty as charged, because all
exploration, physical or intellectual, is inevitably
in some sense an act of transgression, of crossing
boundaries.
Still, some
boundaries are larger than others. So a human
encountering the divine, as Muslims
believe Muhammad did, to the
rationalist, this is a matter not of fact but of
wishful fiction, and like all
of us, I like to think of myself as rational. Which might
be why when I looked at the earliest accounts we have of
that night, what struck
me even more than what happened was what did
not happen.
Muhammad did
not come floating off the mountain as though
walking on air. He did not
run down shouting, "Hallelujah!" and
"Bless the Lord!" He did not
radiate light and joy. There were no
choirs of angels, no music of
the spheres, no elation, no ecstasy, no golden
aura surrounding him, no sense of
an absolute, fore-ordained role as the
messenger of God. That is, he
did none of the things that might
make it easy to cry foul, to put down
the whole story as a pious fable. Quite the
contrary. In his own
reported words, he was
convinced at first that what had
happened couldn't have been real. At best, he
thought, it had to have been a hallucination -- a trick of
the eye or the ear, perhaps, or his own
mind working against him. At worst,
possession -- that he'd
been seized by an evil jinn, a spirit out
to deceive him, even to crush
the life out of him. In fact, he
was so sure that he could only be majnun, possessed by
a jinn, that when he
found himself still alive, his first
impulse was to finish the job himself, to leap off
the highest cliff and escape
the terror of what he'd experienced by putting an
end to all experience.
So the man
who fled down the mountain that night trembled not
with joy but with a
stark, primordial fear. He was
overwhelmed not with conviction, but by doubt. And that
panicked disorientation, that
sundering of everything familiar, that daunting
awareness of something beyond human
comprehension, can only be
called a terrible awe.
This might be
somewhat difficult to grasp now that we
use the word "awesome" to describe a
new app or a viral video. With the
exception perhaps of a massive earthquake, we're
protected from real awe. We close the
doors and hunker down, convinced
that we're in control, or, at least,
hoping for control. We do our
best to ignore the fact that we don't
always have it, and that not
everything can be explained. Yet whether
you're a rationalist or a mystic, whether you
think the words Muhammad heard that night came from
inside himself or from outside, what's clear
is that he did experience them, and that he
did so with a force that would shatter his sense of
himself and his world and transform
this otherwise modest man into a
radical advocate for social and economic justice. Fear was the
only sane response, the only
human response.
Too human for
some, like
conservative Muslim theologians who maintain that the account
of his wanting to kill himself shouldn't
even be mentioned, despite the fact that it's in
the earliest Islamic biographies. They insist
that he never doubted for even a
single moment, let alone despaired. Demanding
perfection, they refuse to tolerate human
imperfection. Yet what,
exactly, is imperfect about doubt? As I read
those early accounts, I realized it was precisely
Muhammad's doubt that brought him alive for me, that allowed
me to begin to see him in full, to accord him
the integrity of reality. And the more
I thought about it, the more it
made sense that he doubted, because doubt
is essential to faith.
If this seems
a startling idea at first, consider that
doubt, as Graham Greene once put it, is the heart
of the matter. Abolish all
doubt, and what's left is not faith, but absolute,
heartless conviction. You're
certain that you possess the Truth -- inevitably
offered with an implied uppercase T -- and this
certainty quickly devolves into
dogmatism and righteousness, by which I
mean a demonstrative, overweening pride in being so
very right, in short, the
arrogance of fundamentalism. It has to be
one of the multiple ironies of history that a
favorite expletive of Muslim fundamentalists is the same
one once used by the Christian fundamentalists known as
Crusaders: "infidel,"
from the Latin for "faithless." Doubly
ironic, in this case, because their absolutism is in fact
the opposite of faith. In effect,
they are the infidels. Like fundamentalists
of all religious stripes, they have no
questions, only answers. They found
the perfect antidote to thought and the ideal
refuge of the hard demands of real faith. They don't
have to struggle for it like Jacob wrestling
through the night with the angel, or like Jesus
in his 40 days and nights in the wilderness, or like
Muhammad, not only that night on the mountain, but
throughout his years as a prophet, with the
Koran constantly urging him not to despair, and
condemning those who most loudly proclaim that they
know everything there is to know and that they
and they alone are right.
And yet we,
the vast and still far too silent majority, have ceded
the public arena to this extremist minority. We've allowed
Judaism to be claimed by violently
messianic West Bank settlers, Christianity
by homophobic hypocrites and
misogynistic bigots, Islam by
suicide bombers. And we've
allowed ourselves to be blinded to the fact that no matter
whether they claim to be Christians, Jews or
Muslims, militant
extremists are none of the above. They're a
cult all their own, blood brothers steeped in
other people's blood.
This isn't
faith. It's
fanaticism, and we have to stop confusing the two. We have to recognize
that real faith has no easy answers. It's
difficult and stubborn. It involves
an ongoing struggle, a continual
questioning of what we think we know, a wrestling
with issues and ideas. It goes hand
in hand with doubt, in a
never-ending conversation with it, and sometimes
in conscious defiance of it.
And this
conscious defiance is why I, as an agnostic, can still
have faith. I have faith,
for instance, that peace in the Middle East is possible
despite the ever-accumulating mass of evidence to the
contrary. I'm not
convinced of this. I can hardly
say I believe it. I can only
have faith in it, commit
myself, that is, to the idea of it, and I do this
precisely because of the temptation to throw up
my hands in resignation and retreat
into silence.
Because
despair is self-fulfilling. If we call
something impossible, we act in
such a way that we make it so. And I, for
one, refuse to live that way. In fact, most
of us do, whether we're
atheist or theist or anywhere
in between or beyond, for that matter, what drives
us is that, despite our doubts and even
because of our doubts, we reject the
nihilism of despair. We insist on
faith in the future and in each
other. Call this
naive if you like. Call it
impossibly idealistic if you must. But one thing
is sure: Call it
human.
Could
Muhammad have so radically changed his world without such
faith, without the refusal to cede to
the arrogance of closed-minded certainty? I think not.
After keeping
company with him as a writer for the past
five years, I can't see that he'd be
anything but utterly outraged at the
militant fundamentalists who claim to speak and act in
his name in the Middle East and elsewhere today. He'd be
appalled at the repression of half the population because of
their gender. He'd be torn
apart by the bitter divisiveness of sectarianism. He'd call out
terrorism for what it is, not only
criminal but an obscene travesty of everything
he believed in and struggled for. He'd say what
the Koran says: Anyone who takes a life takes the
life of all humanity. Anyone who
saves a life, saves the life of all humanity. And he'd
commit himself fully to the hard
and thorny process of making peace.
Lesley Hazleton is a psychologist by training and
Her latest book is The First Muslim, a new look at the life of Muhammad, the founder of Islam. In researching her book, she sat and read the full Koran again -- exploring the beauty and subtlety in this often-misquoted holy book. As she says: " I’m always asking questions — not to find “answers,” but to see where the questions lead. Dead ends sometimes? That’s fine. New directions? Interesting. Great insights? Over-ambitious. A glimpse here and there? Perfect."
Transcrição de palestra proferida e publicada no site TED (Technology, Entertainment and Design), em Junho-2013.
A dúvida essencial para a fé
Autora de “O
Primeiro Muçulmano”, um novo olhar sobre a vida de Maomé
Escrever
biografias é uma coisa muito estranha. É uma viagem através do território
estrangeiro da vida de outra pessoa, uma jornada, uma exploração que pode
levá-lo a lugares onde você nunca sonhou ir e ainda assim deixá-lo em dúvida se
realmente esteve lá, especialmente se, como eu, você for um judeu agnóstico e a
vida que você estiver explorando for a de Maomé.
Cinco anos atrás,
por exemplo, eu acordava cada manhã na nebulosa Seattle perguntando a mim
mesma uma coisa cuja resposta eu sabia ser impossível: O que realmente
aconteceu naquela noite no deserto, quando metade do mundo e quase metade da
sua história se afastaram de nós? Isto é, o que de fato aconteceu naquela noite
do ano 610, quando Maomé recebeu a primeira revelação do Corão, nas montanhas
dos arredores de Meca? Aquele foi o momento místico central, fundamental, do
Islamismo, e como
tal, é claro, ele desafia análises empíricas. Ainda assim, a questão não me deixaria
tão facilmente. Eu estava plenamente ciente de que para alguém tão leigo como eu, o simples fato
de questionar isto poderia parecer muita pretensão e arrogância. E eu chamei
para mim mesma toda a responsabilidade, porque toda exploração, física ou
intelectual, desse tipo, inevitavelmente é, em certo sentido, um ato de
transgressão, de ultrapassagem de fronteiras.
Mesmo assim,
algumas fronteiras são mais extensas do que outras. Então, um ser humano ter se
encontrado com o Divino, como os muçulmanos
acreditam que Maomé conseguira, para os racionalistas não é um fato real, mas simples
desejo, fé, pura ficção, e, como
todos nós, eu me considero racional. O que pode ter sido
o caso, porque quando eu analisei os antigos documentos que nós temos sobre
aquela noite, o que mais me impressionou não foi o que aconteceu, mas, sim, o
que não aconteceu.
Maomé não saiu
flutuando da montanha, como
que caminhando no ar. Ele não desceu correndo e gritando “Aleluia!” e
“Abençoado Senhor!”. Ele não irradiou luz e felicidade. Não havia um coro de
anjos, nenhuma música celestial, nem êxtase, nem orgulho e felicidade, nenhuma
aura dourado em torno dele, nenhum sentido de absoluto, como portador de lei
divina, como mensageiro de Deus. Isto é, ele não fez nenhuma das coisas que
poderiam facilmente fazer chorar os crentes, sacramentando toda a história como
grande fábula de fé e devoção. Muito pelo
contrário, de acordo com as suas próprias palavras escritas, ele estava totalmente
convencido de que o que tinha acontecido não poderia ter sido real. No melhor
dos casos, ele pensara, aquilo tinha que ter sido uma alucinação – uma ilusão dos
olhos ou dos ouvidos, talvez, ou sua própria mente enganando-o. No pior dos
caos, uma possessão – que ele teria sido possuído por
um demônio, um espírito maléfico e enganador, disposto
até mesmo a tirar sua vida. Na verdade, ele estava tão seguro de que somente
poderia ter sido possuído pelo diabo, que quando
ele percebeu que ainda estava vivo, seu primeiro impulso foi acabar logo com
aquilo, pular fora da alta montanha e escapar do terror que ele havia sentido,
pondo um fim a toda aquela experiência.
Então, o homem
que desceu da montanha naquela noite estava tremendo não de alegria e júbilo,
mas de completo medo primitivo, animal. Ele estava dominado não por convicção,
mas por dúvida. E aquele pânico desorientado, aquela perda de sentido de tudo
que fosse familiar, aquele assustador conhecimento de alguma coisa muito além
da compreensão humana, somente poderia ser classificado como um terrível pavor. De alguma forma, hoje
pode parecer difícil entender que usemos a palavra “apavorante” para descrever um
novo aplicativo de internet ou um vídeo viral. Com exceção, talvez, dos grandes
terremotos, nós estamos protegidos do pavor real. Nós fechamos as portas de
nossas casas e nos enclausuramos convencidos de que tudo está sob controle, ou,
pelo menos, esperamos que esteja. Nós fazemos o máximo para ignorar que nem
sempre é assim, e que nem tudo pode ser explicado.
Ainda que você
seja racionalista ou místico, que você pense que as palavras que Maomé ouviu
naquela noite vieram de dentro dele ou de fora, o que está claro é que ele as
experimentou, e que ele as percebeu com uma força tal que teria abalado seu
sentido de si próprio e de seu mundo, e transformado este outrora modesto homem
em um radical defensor da justiça social e econômica. Medo era a única resposta
sensata, a única resposta humana.
Demasiadamente
humana para alguns, como os teólogos muçulmanos conservadores que sustentam que
a razão do seu desejo de se matar não deveria sequer ser mencionada, apesar do
fato disso estar registrado nas mais antigas biografias islâmicas. Eles
insistem que ele jamais duvidou por um momento sequer, mesmo sozinho e
desesperado. Exigindo perfeição, eles, tais teólogos, se negam a tolerar a
imperfeição humana. Mas o quê, exatamente, há de imperfeito na “dúvida”? Enquanto
lia aqueles documentos antigos, me dei conta de que era precisamente a Dúvida
de Maomé o que o trazia vivo perante mim, o que me permitia começar a vê-lo
inteiramente, ambientá-lo à integridade da realidade. E quanto mais eu penso
nisso, mais faz sentido que ele tenha duvidado, porque a dúvida é essencial
para a fé.
Se à primeira
vista isto lhe parece uma idéia surpreendente, considere que a dúvida, como Graham Greene uma
vez colocou, é o coração da questão. Abolindo toda dúvida, o que resta não é
fé, mas a mais absoluta convicção sem coração. Você está certo de que possui a
Verdade – inevitavelmente ofertada com um subentendido V maiúsculo – e isto
certa e rapidamente se transforma em dogmatismo e código de conduta, pelos
quais eu percebo a demonstração de um orgulho presunçoso em ser tão
absolutamente direito, ou seja, a arrogância do fundamentalismo. Tinha que ser
uma das muitas ironias da história que uma exclamação, ou denominação, favorita
do fundamentalismo muçulmano seja a mesma várias vezes utilizada pelos
fundamentalistas cristãos conhecidos como Cruzados: “infiel”, que vem do Latim
e significa “não fiel”, “sem fé”, “pagão” ou “não religioso”. Duplamente irônico,
neste caso, porque o seu significado absoluto é, de fato, o oposto de “fé”.
Realmente, eles são os infiéis. Como
os fundamentalistas de toda e qualquer religião, eles não têm questionamentos a
fazer, apenas respostas a dar. Eles encontraram o antídoto perfeito contra o
pensamento livre e o refúgio ideal perante as difíceis exigências da verdadeira
fé. Eles não tiveram que lutar por isso, como Jacob digladiou com o anjo por
toda a noite, ou como Jesus se martirizou nos seus 40 dias e noites no deserto,
ou como o próprio Maomé lutou, não somente naquela noite na montanha, mas
através de anos e anos como profeta, com o Corão constantemente insistindo para
que ele não perdesse a esperança, condenando todos aqueles que mais bravata e
ruidosamente proclamavam que sabiam de tudo o que havia para saber, e que eles,
e somente eles, é que estavam certos.
E todos nós, a
imensa e, ainda por demais, silenciosa maioria, temos cedido muito terreno e a
cena pública para essa minoria de extremistas. Nós permitimos que o Judaísmo fosse
utilizado para justificar os assentamentos de colonizadores messiânicos
violentos na Cisjordânia, que o Cristianismo fosse dominado por homofóbicos
hipócritas e misogínicos fanáticos, que o Islamismo fosse contaminado por
homens-bomba suicidas. E nos deixamos ficar cegos para o fato de que não
importa se eles se proclamam Cristãos, Judeus ou Mulçumanos. Militantes
extremistas não pertencem a nenhuma dessas três grandes religiões. Todos eles
pertencem a uma outra seita própria: irmãos de sangue pisando no sangue de
outras pessoas.
Isto não é fé.
Isto é fanatismo, e nós temos que parar de confundir os dois. Nós temos que
reconhecer que a verdadeira fé não tem respostas fáceis. Isto difícil e árduo. Isto
implica numa luta constante, num contínuo questionamento sobre o que nós
achamos que sabemos, uma batalha entre perguntas e idéias. E isto sempre caminha
lado a lado com a dúvida, numa interminável conversação, e algumas vezes em
conscientes desafios mútuos.
E este desafio é consciente
porque eu,
Porque a
desesperança se auto-alimenta, e se nós achamos que algo é impossível, nós
agimos dessa forma e fazemos para que assim seja. E eu, por minha vez, me
recuso a viver dessa maneira. Na verdade, a maioria de nós é assim, não importa
se somos ateus ou crentes ou alguma coisa entre ou além disso, porque o que importa,
o que nos guia, é que, apesar das nossas dúvidas ou mesmo por causa delas, nós
rejeitamos o niilismo da desesperança. Nós insistimos em ter fé no futuro e em
cada um de nós. Chame isso de ingenuidade, se você quiser. Chame isso de
idealismo impossível, se você precisar. Mas uma coisa é certa: precisa chamar
isso de humano.
Poderia Maomé ter
mudado tão radicalmente seu mundo sem tal fé, sem ter se negado a ceder à
arrogância da certeza das mentes fechadas? Eu penso que não. Depois de ter
mantido contato com ele, como escritora, nos últimos cinco anos, eu não consigo
ver que ele pudesse ter se sentido nada menos do que profundamente ultrajado pelos
militantes fundamentalistas que proclamam falar e agir em seu nome no Oriente
Médio ou em qualquer lugar, hoje. Ele teria se assustado com a repressão de
metade da população por causa do seu gênero (mulheres). Ele teria ficado
dilacerado vendo a cruel divisão do sectarismo. Ele teria classificado o
terrorismo pelo que ele é, não apenas como ato criminoso, mas como uma
obscenidade travestida de tudo em que ele acreditava e por que lutava. Ele
teria dito o que o Corão diz: Qualquer um que tire uma vida, tira a vida de
toda a humanidade. Qualquer um que salve uma vida, salva a vida de toda a
humanidade. E ele teria se entregado inteiramente ao duro e espinhoso processo
de fazer a paz.
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