quarta-feira, 27 de maio de 2015

Beerbaria


Beerbaria

Se eu fosse um inveterado cervejeiro,
estaria no paraíso, seria festeiro
que nem um galo no próprio terreiro,
e beberia até virar bebum encrenqueiro
Mas, como agora virei gente fina
e só bebo finos e bons vinhos,
vou beber só um pouquinho,
a conta pra ganhar una lembrancina,
que só pode ser um canequinho.

(in front of the fábrica da Guinness, Dublin, Ireland)

segunda-feira, 25 de maio de 2015

Bacalhau II


Bacalhau II

Quanto tempo dura um bordado de linha quase de algodão feito numa toalha de pano, duvidosamente de algodão, de uma mesa de restaurante cujos pratos principais são à base de bacalhau?
E quanto tempo dura a tinta de uma caneta bic e um guardanapo de papel, ambos quase totalmente sintéticos, rabiscados sobre uma mesa de restaurante cujos pratos especiais são à base de bacalhau?
Com certeza o tempo de duração, ou de vida útil, da toalha é muito maior do que o do papel (em dezenas de anos ou até mais de um século!)
Pois é isso que as fiéis e leais bordadeiras do Minho sempre pretenderam fazer e ofertar, consciente ou inconscientemente, aos casais de amantes e namorados de Braga: estender, ampliar e solidificar as suas juras e promessas de amor transpondo-as, transferindo-as, de míseros, fugazes, descartáveis e biodegradáveis poucos meses e anos de papel para mais ricos, perenes, duráveis e recicláveis anos e séculos de pano.
Desconfio que as tais bodas de papel, bodas de pano e as outras consecutivas bodas mais sólidas, caras e brilhantes têm tudo a ver com as tradições das namoradeiras e das bordadeiras de Portugal.

(para quem quiser entender as origens, as causas e os antecedentes e, ainda, os preâmbulos, os prelúdios e os precedentes deste post, leia meu post anterior: o “Bacalhaul” ou “Bacalhau I”)

sábado, 23 de maio de 2015

Bacalhaul


Bacalhaul

Numa mesa portuguesa,
com certeza
de dona portuguesa,
leal é lial.
Não sei se cá é mesmo lialdade
ou se é pura falta de lealdade
com o português.
Talvez é que,
seja lá porque,
lial seja "o" teu
e leal seja "ao" meu.
Mas, sob qualquer ortografia
(mera questão de geografia)
seja leal, seja lial,
valeu pelo vinho
e pelo bacalhau.

(Taberna Pedralva, em frente ao Castelo de Braga, Braga, Portugal)

PS: Antes que os meus queridos amigos portugueses se sintam eventualmente constrangidos, ou até mesmo ofendidos, quero deixar claro que isto é muito mais que uma mera brincadeira. É uma homenagem a um belo e romântico costume dos casais de namorados da região do Minho nas suas festas populares. As estampas destas toalhas de mesa são cópias exatas dos bilhetinhos amorosos que eles trocam entre si. Há, também, o fiel e LEAL trabalho das bordadeiras que mantêm a tradição de elaborar os bordados exatamente da forma como foram escritos e desenhados em tais bilhetinhos. Ocorre que, assim como acontece em qualquer lugar do mundo, nem todos os namorados são perfeitamente "letrados". É como uma namoradeira bordadeira brasileira mineira que escreva e borde: "ti amo dimais da conta sô". Enfim, o que eu quis, acima de tudo, foi ressaltar e homenagear o caráter pitoresco e curioso de uma dupla tradição popular muito bonita e interessante da região do Minho, em Portugal: a de seus casais de namorados e a de suas fieis e leais bordadeiras.

quinta-feira, 21 de maio de 2015

Terras do Meio


Terras do Meio

Quando ando em meio a terras desconhecidas,
e mesmo nas já quase meio conhecidas,
vou sempre todo quase meio vazio
e volto sempre quase todo meio cheio.
Vou pelas metades mais quebradas
e volto pelas metades mais inteiras.
Pois, indo pelas partidas,
de meio em meio
penso que me inteiro
e venho pelas chegadas.

(em terras do Minho: Torre de Menagem, Braga, Portugal)

terça-feira, 19 de maio de 2015

Harmonia no Banheiro


Da série Harmonia no Dia a Dia:

Harmonia no Banheiro
(versão em verso)

Toda vez que eu entro no banheiro dos meus netos,
os bichinhos estão todos inquietos,
esparramados, espalhados,
jogados, desencontrados
e desarmonizados.
Uns no chão, outros na banheira,
uns dentro da pia,
outros atrás das portas...
e até em lugares onde não se pia nem se mia.
Então, ajunto todos eles juntinho,
frente a frente, cara a cara,
todo dia, dia após dia,
no mesmo cantinho,
encima da bancada da pia.
E só saio de lá depois que eles se entendem
e começam a conversar
animadamente,
amistosamente,
harmoniosamente,
e ninguém mais chia.

segunda-feira, 11 de maio de 2015

Um sofá


Um Sofá

Um sofá
pra se sentar
na sala de estar.
Alguém se levantou, saiu,
não está mais lá,
fugiu, sumiu.
Agora há lugar
de sobra pra sentar
no multipolicromático sofá.

domingo, 10 de maio de 2015

Todos os tons de verde escuro


Todos os tons de verde escuro

Caminhava as caminhadas que costumava caminhar e enquanto caminhava procurava caminhar pelos caminhos mais fáceis, mais planos, mais regulares, para que seus pés e suas pernas pudessem ir caminhando por conta própria, livremente, no “piloto automático”, poupando seus olhos e seu cérebro de ter que ficar, obrigatória e constantemente, olhando pro chão por onde caminhava, e para evitar possíveis trancos, quedas e solavancos em buracos, valetas e barrancos, muito comuns nos caminhos por onde caminhava.
E ele, ainda antes, sempre discursava em voz alta para si mesmo, enquanto calçava os tênis de caminhada:
– Mas que diabo!
– Olhos, cérebro, mente e espírito não tem que ficar preocupados com o chão, não deveriam ter esta baixa, rasteira e subalterna obrigação.
– Isto é função das partes de baixo, das pernas e dos pés. Os olhos e a alma precisam estar livres, desimpedidos, desobrigados dessas mundanas atenções, para poder olhar pra frente e pra cima.
Assim, ele caminhava.
E tinha um prazer muito particular e peculiar em olhar e contemplar as árvores, principalmente as mais altas, copadas, encorpadas e enflorestadas, as que formavam aquelas massas verdes compactas, fechadas; e ir distinguindo e apreciando as suas diversas tonalidades de verde, principalmente as mais escuras. É que os verdes mais claros são mais superficiais, mais iluminados, menos escondidos. Já os verdes mais escuros são mais profundos, mais escondidos, mais misteriosos. Daí, não se sabe bem porque, sua maior atração e fixação pelas folhagens verde-escuras.
Gostava especialmente de ficar absorvendo, saboreando e tentando decifrar as mensagens subjacentes, os códigos secretos, os sussurros remotos, e mesmo os silêncios velados, próximos ou longínquos, que cada tom, cada nuança, cada diferente matiz, de todos os verdes das folhagens das árvores, estavam lhe transmitindo:
A folhagem mais superficial, da copa das árvores, do verde samambaia lacrimosa, aquele verde mais claro, luminoso, quase branco, brilhante, lembrava o mar, as grandes e retas praias desertas e as pequenas ilhas oceânicas num dia de céu e sol límpidos, translúcidos, radiantes, quando ele enfiava a cabeça dentro d’água e olhava pra cima só pra ficar curtindo todo aquele azul borbulhante dançando na superfície da água.
O verde menos claro, verde médio, ainda não muito escuro, o verde limão galego verde, entre a copa e miolo das árvores, deixava passar e projetava na mente e na alma todas as estrelas, cometas e bólidos metálicos cadentes de um fim de tarde com lua minguante acima dez graus no horizonte de um céu amarelo-laranja avermelhando constantemente recortado pelos rastros de vapor esbranquiçados das espaçonaves identificáveis.
Uma grande e fantástica festa no interior, numa fazendinha remota nos sertões, lá nos cafundós onde Judas perdeu suas botas, aonde só se chega por estradinhas esburacadas e poeirentas, festa daquelas que duram três dias e três noites ao luar de nove graus da madrugada. E o que o chamou pra festa foi aquele verde mais chegado ao verde propriamente dito, o verde verde, o verde grama recém cortada, das folhas mais chegadas aos ramos e troncos principais.
Junto aos troncos e galhos mais grossos, um verde um pouco mais escuro, o verde folha de azaléia no outono, deixava sua boca e garganta secas, seus olhos embaçados de fumaça e sua cabeça zonza de lembrar tanta desgraça: da desolação das floretas devastadas, de toda a solidão das matas degoladas, de todas as árvores por séculos assassinadas. E o que sobrava era só a sensação triste, nostálgica e inconsolável de estar vagando num imenso deserto de areia, tateando às cegas as paredes de pedra de um gigantesco muro medieval em ruínas.
E bem entre os troncos principais, nas partes mais profundas e pouco iluminadas das folhagens, ele encontrava o verde mais escuro, o verde casca de abacate maduro, o verde negro das densas e indevassáveis florestas tropicais com seus insondáveis mistérios e inescrutáveis magias. Era onde ele confabulava com todos os mágicos habitantes das suas fábulas. Era onde procurava seus gnomos, seus duendes, suas princesas distantes, suas rainhas inacessíveis, suas magas enfeitiçadas, suas bruxas descabeladas e suas fadas amadas.
Enquanto viajava os olhos de uma tonalidade para outra, a cabeça mantinha um pensamento constante como pano de fundo, tabula rasa, fundamento teórico e prático, lei geral da ótica e da luminotécnica, de tudo aquilo:
– Bendito Sol! Abençoadas sejam as suas luzes, as suas sombras e as nossas variâncias orbitais em torno dele!
– Não fosse isso, as cores seriam todas invariáveis, sem tonalidades nem graduações. Seriam apenas cores de uma cor só. O amarelo seria somente amarelo, o verde só verde, o azul apenas azul, teríamos somente um vermelho, um marrom, um rosa, um...
Um belo dia, chegou da caminhada, parou na varanda da casa, e falou consigo mesmo, como era de costume, desta vez em voz baixa:
– Puta merda! Já é quase inverno, mas eu já tô com a camisa toda molhada de suor. Isso é muito bom, porque dizem que exercício físico só é bom, pra valer, se a gente suar a camisa.
Trocou de camisa, deitou numa rede, respirou fundo e repousou os olhos em todas as árvores em volta. Mirou a admirou os recessos de folhagens mais escuros, negros, quase totalmente pretos, das árvores em frente.
Vislumbrou uma espécie de vórtice, tipo uma singularidade espaço-temporal, um buraco de minhoca cósmico, um buraco negro, em que os três pontos mais negros dos setores mais escuros das árvores formavam um estranho, enigmático e quase irreal triangulo exatamente eqüilátero cuja linha central, paralela à da base, se alinhava perfeita e perpendicularmente com a linha dos seus olhos.
Mas aquilo não era uma simples linha reta, parada, estática. Havia uma discreta vibração, uma ondulação, em freqüência bastante baixa e suave, como uma espécie de modulador e transmissor de ondas eletromagnéticas, de luz ou outra radiação qualquer – mas, talvez fosse apenas o efeito da movimentação das folhas ao sabor dos ventos.
E a mensagem que emanava desse espectro de onda de folhas farfalhantes e falantes era a mais instigante, indecifrável, provocante, sedutora e irresistível que ele jamais tinha recebido até então. Parecia um portal, uma porta, atraindo, chamando, reclamando, suplicando ser inapelável e imediatamente aberta. Seus olhos, sua mente e seu espírito entraram em total e completa harmonia ressonante e em acoplamento de fase perfeito, integral, com a freqüência de onda daquele vórtice.
Fechou os olhos e entrou.

sexta-feira, 8 de maio de 2015

45 anos sem Ela!


45 anos sem Ela!

45 anos sem Ela!
Se aqui ainda estivesse,
com todos nós, eu e vocês,
Ela estaria com 96!
Ah, eu tentaria imaginar, se pudesse,
o quanto de luz, amor e sabedoria
tantos anos representaria!
(em vão, um milênio não bastaria)
Quanta vida órfã
Quanta vida subtraída
Quanta vida, para nós, vilã
Quanta vida ainda querida, prometida
(a minha, então, desde então,
irremediavelmente pagã)
Quanta vida perdida...
Não, perdida não!
É a nossa grande graça,
nossa particular e especial benção!
Pois que a Dela, vida finda já aos cinqüenta,
é que as nossas sempre orienta e sustenta.
Em nossos corações, espíritos e mentes,
Mamãe Luiza, eternamente.

(Luiza é a mãe do Brumbe)

segunda-feira, 4 de maio de 2015

Alguém que sumiu, desapareceu, morreu.


Alguém que sumiu, desapareceu, morreu

Por voltas, às voltas, tanto na ida quanto na volta, das minhas longas caminhadas por essas bandas, pelas redondezas do lugar onde moro, tenho posto em prática um certo costume, um vicio, um quase transtorno-obsessivo-compulsivo, que adquiri, ou me foi imposto, nos meus tempos de estudante de arquitetura, que é observar atentamente (e fotografar eventualmente) casas e construções de todo e qualquer tipo, até mesmo um simples e antigo muro de pedra abandonado e em ruínas – um desses que começa no nada, termina em lugar nenhum e não cerca coisa alguma.
Casas como a minha, casas de campo, casas no campo, casas de fim-de-semana, casas para todo fim, casas de lazer, casas de prazer, casas de receber, casas de doar, casas de zoar, casas para, enfim, sossegar, acomodar, aquietar, apaziguar, ler, escrever, viver... e até morar.
Acontece que tenho me deparado freqüentemente, com certa estranheza, alguma surpresa e até com um pouco de tristeza, com algumas dessas novas, belas, sólidas e bem construídas casas – inclusive com belos e limpos telhados ainda não manchados pelas intempéries, o que inegavelmente denunciaria a idade avançada das mesmas –, todas aparentemente paralisadas, não terminadas, abandonadas.
Os sinais que lamentavelmente acusam isso são muitos e diversos, visto que, mesmo sendo majoritariamente casas de fim-de-semana, tais indícios não poderiam estar ali por semanas ou meses a fio, como afianço que tenho visto:
Cercas de arame farpado, na frente ou nos lados.
Entulhos de construção, em montes ou espalhados.
O muro da frente ainda por fazer, por erguer.
Paredes externas rebocadas, mas não pintadas.
Um carrinho-de-mão quebrado e sujo, encostado lá nos fundos.
Jardins ainda sem plantas nem gramado, só ervas e fungos.
Gramados altos, reclamando um zeloso aparador.
Um tímido, ou já descarado, mato crescendo ao redor.
Vãos de janela sem janelas.
Janelas sem vidros, nem tramelas.
(quando os têm, estão quebrados, trincados ou caindo pelas tabelas)
Vãos de portas com portas, mas sem fechaduras.
Varandas há muito tempo sem ver varreduras.
Varanda vazia, nenhum vaso, vasilha ou mobília.
Madeirame de porta e janela ainda nu, sem verniz algum.
Nenhum canteiro no jardim, nem horta no quintal.
Falta de luminárias ou lâmpadas em geral.
E fico pensando, imaginando, matutando e lucubrando nos tantos e tontos sonhos desfeitos, desejos frustrados, realizações interrompidas, projetos de vida rompidos e ideais destruídos, que foram ali abandonados, alijados, descartados:
Um casal que se divorciou, se separou... uma mudança pra longe... os filhos que foram embora... famílias desagregadas, desintegradas... um homem abandonado... uma mulher abandonada... alguém que sumiu, desapareceu, morreu...
Mas, vai ver, bem lá no fundo do porão escuro das razoes secretas e inconfessáveis, não foi por causa de nada disso.
Foi por pura e simples falta de grana, mesmo!