quarta-feira, 18 de março de 2015

Templo das Horas Perdidas


Templo das Horas Perdidas

Instrumentos do momento
na caixa de ferramentas do tempo
perdida nas frias catacumbas do templo
(manual de funcionamento)

Instruções iniciais:

Para fusos horários,
ajuste o ponteiro das horas,
de meia em meia hora,
nos respectivos furos, digo fusos.
(se ficar perdido e confuso,
utilize os próprios furos)

Parafusos anti-horários
que sincronizam horações,
rituais, rezas, bênçãos,
lamentações e orações
de Mecca, Chengzhou e Bukama,
Paris, Washington e Jerusalém,
Juazeiro, Macondo e Yokohama
Londres, Puerto Aisen e mais além,
gire os ponteiros no sentido contrário.

Mas, repare que os ponteiros já não apontam decimais.
Agora há apenas leds, luzinhas, pontos e pixels digitais.
Só zumbidos, bips, alarmes e musiquinhas. Tic-tac jamais.

(em milissegundos tive a impressão de que vão faltar parafusos nessa estória,
ou de que há parafusos a menos, perdidos, na cabeça de quem a trás na memória)

Manual de funcionamento, conforme propriamente rezado:

Pegue os pregos que os pregadores usam pra pregar pecadores
e os martelos que os pecadores utilizam pra pregar seus próprios pregos
e pregue todos eles uns aos outros – pregadores com pecadores.

Cuidado para que os martelos dos pecadores não pequem,
errando, falseando e falhando os pregos dos pregadores.
(ao final deste passo, deverá ficar religiosamente claro
o quê apregoam os pregadores
e o quê pecam os pecadores)

Com a chave de fenda abra uma luminosa fenda
que desvenda uma melhor e mais ampla cena,
que nos descortine um horizonte de luz plena,
que contra a escuridão e as trevas nos defenda

(as chaves phillips, philco, sony, samsung, toyota e yamaha, assim como as chaves inglesas, francesas, alemãs, turcas, afegãs, chinesas e japonesas, não devem ser utilizadas, pois somente são compatíveis com missais, breviários, catecismos, evangelhos e bíblias de templos estrangeiros)

Lembre-se: o tempo é a chave-mestra de tudo que rola
e de tudo que se enrola ou se desenrola dentro de um templo.

Nas furadeiras, utilize apenas as brocas de vídia.
Nelas bote fé, pois furam até o mais duro concreto.
E talvez você encontre e adote uma fé mais concreta,
que possa salvar as nossas pobres e brocadas vidas.

Serre as grades do claustro com um bom serrote,
e liberte as inocentes virgens condenadas à má sorte.
(antes que, na maldita hora, elas sejam apregoadas e apedrejadas)

Nunca utilize a talhadeira
para talhar pedras que possam ser atiradas numa virgem
e nem nas possíveis santas bruxas, inclusive as de Salem,
condenadas à fogueira.

Jamais utilize marretas e picaretas,
pois, além de não caberem num caixa de ferramenta,
são instrumentos muito pesados e perigosos.
E você nunca deve marretar ou picaretar num templo,
a não ser que queira demoli-lo – pois já não o agüenta –
num daqueles seus momentos mais perniciosos.

Aquele belo alicate de Alicante jogado ali no canto?
Esqueça-o, é ferramenta de alicantineiros!
Aqui, nesse templo, ele não trabalha,
e nem naquele outro, ali, ele canta.

Não perca tempo com as outras ferramentas da caixa de metal
Elas são inúteis em qualquer templo, inclusive no Taj Mahal
(eu ainda não tinha dito que a caixa era de metal?
pois é, desculpe, só lembrei aqui no final)

Passo final (no topo da torre, ou minarete, principal):

Já é tempo!
Abra a caixa de ferramentas e joguei tudo no chão.
Note que todos os instrumentos e ferramentas de aferição,
construção, ajustamento e medição
ficarão totalmente parados,
inoperantes, paralisados,
em perfeito estado de meditação,
contrição, oração e sublimação.
Concluída a missão!

Prece final (pra tudo dar certo):

Ah... senhoras guardiãs do templo,
severas donas das chaves do tempo,
orai, orai, sem demora, por todos os pecados.
Orai por vós, e orai por nós, os sem hora
Mas, orai nos horários certos, nas certas horas,
pois nas erradas já estamos nós, os errados.

No templo das senhoras das horas é tempo das horas,
de todas as horas, inclusive das perdidas, horas e senhoras,
de todos os tempos, de todos os séculos, de todas as eras.
Das horas sem tempo, das horas de infinitos tempos,
e de tempos de infindáveis, e perdidas, horas.

(by Brumbe, perdido em tempos perigosamente quase religiosos
e relogiosamente perigosos, não sei em que dia e nem em qual hora)

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