quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Por um fio


Por um fio

Bem encima do quadro de tela de arame onde eu coloco as cascas de mamão pros passarinhos comerem, apareceu, hoje de manhã, um longo fio de teia de aranha, de mais ou menos um metro e meio, suspenso entre as duas árvores onde estão amarrados os quatro fios de arame que sustentam o quadro de tela de arame onde eu coloco as cascas de mamão pros passarinhos comerem bem encima.
É um fio guia, geralmente estendido durante a madrugada e que costuma surgir bem no inicio do dia, e que serve como suporte para as aranhas tecerem em torno dele as suas teias. Ele é o fio mais forte da teia, e é natural que seja assim, pois serve de suporte para todos os outros fios da teia de aranha. É mais fino que um fio de cabelo humano e, diz a mecânica dinâmica newtoniana, muito mais resistente. Supostamente pode suportar alguns quilogramas por micrômetro quadrado ou centímetro linear – Mas, isto é assunto que não cabe aqui investigar, ou tecer maiores comentários. Não serve como fio guia.
Ele é praticamente invisível, mas, sob a luz do sol ou da lua, pode ser visto através dos reflexos da luz solar ou lunar – ou mesmo de uma luz artificial qualquer. Reflexos estes mais conhecidos como “flares”. Os mesmos que a gente consegue ver, por exemplo, quando a luz do sol se reflete nas asas de um avião ou, à noite, na carenagem de um satélite artificial – o que muita gente confunde com óvnis (assunto que aqui também está tão deslocado como os próprios óvnis invisíveis).
E lá estava ele, o metro e meio de fio guia de teia de aranha, suavemente balançando ao sabor da leve brisa da manhã, bem encima do quadro de tela de arame onde eu coloco as cascas de mamão pros passarinhos comerem, e perfeitamente visível devido ao reflexo, o tal “flare”, que ele emitia graças ao sol radiante que despontou nesta manhã.
E o tal “flare”, o reflexo, de mais ou menos uns cinco centímetros de extensão por uns duzentos nanômetros de largura, ficou ali caminhando, de um lado pro outro, de uma árvore à outra, ao longo do longo fio guia da teia da aranha. E ele caminhava, se deslocava, ciclicamente assim: da porta pra janela, da parede vermelha pra parede amarela, e voltava, da parede amarela pra parede vermelha, da janela pra porta, num vai e vem sem tramela – pois isto era tudo que se via, como pano de fundo, por detrás do fio guia.
E eu, no meu café da manhã, enquanto comia o mamão cuja casca eu logo depois depositaria no quadro de tela de arame – aquele mesmo onde costumo colocar as cascas de mamão pros passarinhos comerem –, sobre o qual o fio guia da teia se erguia, fiquei pensando: pode cair uma folha sobre o fio, um galho pode se soltar, uma das árvores pode cair agora, pode surgir um furacão, um tufão, pode cair um avião, um outro meteorito pode cair neste lugar, um cometa pode se chocar contra o planeta, o mundo pode acabar agora, e este fio guia de teia de aranha não mais emitirá os seus belos e flamejantes “flares”. Já era!
Tudo está por um fio!
Foi quando repentinamente, mas não inesperadamente, aconteceu o que acontece diariamente, repetidamente: um pequenininho passarinho pousou, no quadro de tela de arame (aquele que fica sustentado por quatro fios de arame amarrados em duas árvores, no qual eu coloco as diárias cascas de mamão pros passarinhos comerem), pra comer o que sobrara das cascas de mamão do dia anterior, e, involuntariamente, inadvertidamente, desapercebidamente, partiu, cortou, rompeu, destruiu, aniquilou, desconectou, desintegralizou completamente o fio.

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