sexta-feira, 27 de junho de 2014

Arquibaldos e Geraldinos


Arquibaldos e Geraldinos (*)

Eu estava ouvindo a música agorinha no rádio, e lembrei de um efeito colateral musical e cultural, negativo, da Copa – não da Copa em si, mas, sim, dessa ditatorial e bitolada padronização global imposta pela FIFA aos estádios brasileiros.
Daqui a alguns anos nenhum brasileiro saberá o quê o Adoniran Barbosa quis dizer nessa sua famosa e popular música em “como um pega na geral” e muito menos o que significa “arquibaldo” e “geraldino”, simplesmente por que a FIFA baniu, destruiu, as arquibancadas e as gerais dos nossos estádios.
(*) As expressões Arquibaldo e Geraldino foram criadas pelo genial Nelson Rodrigues que, entre outras coisas jornalísticas, teatrais e artísticas, foi, e até hoje é, o maior cronista futebolístico do Brasil.
O que a FIFA não entendeu, ou não quis entender, ou não quis nem saber, é que cadeirinhas coloridinhas são para torcidas européias comportadinhas. Elas não comportam as festivas, explosivas e desorganizadas torcidas brasileiras.
Somos livres, folgados e relaxados por natureza, e precisamos de muito espaço pra pular, deitar e rolar. Precisamos fazer imensas e sincronizadas coreografias e acrobacias, grandes ondas e marés humanas, e não apenas simples “olas”. Essas inconvenientes e limitantes cadeirinhas nos emperram, nos engessam. Essas cadeirinhas nos aprisionam.
Daqui a alguns campeonatos estaduais e nacionais quero ver quantas ainda resistirão assentadas. Antes da Copa da Rússia teremos de volta, no Brasil, as nossas largas, dolorosas, calorosas e democráticas arquibancadas-gerais – porque, então, serão somente arquibancadas, sem gerais.
É desnecessário dizer, mas digo assim mesmo, que a reconstrução de estádios, em qualquer país e em qualquer copa, visa (não só visa, mas coca-cola, continental, castrol, etc), acima de tudo, atender aos interesses financeiros e comerciais da FIFA e dos seus parceiros públicos e privados, nacionais e multinacionais, e não a duvidosas e questionáveis benfeitorias para melhorar a acomodação e o conforto do público.
Os nossos antigos e queridos estádios, como o Mineirão, o Maracanã e o Beira-Rio, poderiam sediar perfeitamente qualquer Copa do Mundo em qualquer época do mundo. Não necessitavam de reforma alguma. Exceto a dos WC públicos, pra ninguém sair arrancando vaso sanitário pra jogar na cabeça dos adversários.
Fico pensando no estádio Independência da Copa de 50, todo em concreto sobre tijolo, onde até os estadunidenses e os ingleses jogaram muito bem. Será que os jogadores e os torcedores de hoje são melhores e mais sensíveis do que os de 1950? Pernas e bundas mais delicadas?!
Em prol da memória futebolística nacional: resgatem e restaurem as nossas gloriosas e insubstituíveis arquibancadas, conquistadas palmo a palmo, digo pé a pé, em duras, concretas e gloriosas batalhas campais, digo estadiais. Não somente as fachadas dos nossos estádios, mas também suas arquibancadas, deveriam ser tombadas pelo IPFHAN (Instituto do Patrimônio Futebolístico, Histórico e Artístico Nacional).
Só porque ouvi a musica que diz "como um pega na geral..."

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