domingo, 18 de abril de 2010

Ram'on the hill

Trinta e sete anos depois… achei isso nos meus antigos alfarrábios manuscritos em papel:

Ram’on the hill
(Ramon na montanha, parodiando “The fool on the hill” dos Beatles)

Ramon subiu na montanha, e a única coisa que êle queria era apenas sentir sua mãe natureza, ama-la, vive-la e contempla-la em paz, mas as máquinas lá embaixo não deixavam.
Lá de baixo, da cidade grande, subiam até êle milhões de decibéis diabólicos e ele, assim, não conseguia o silêncio necessário e essencial para poder ver, ouvir, sentir, amar e contemplar a sua querida mãe.
Ramon então desceu à cidade, encarou a maquinaria toda, e disse: Cumequié?! Vocês não vêem que eu quero silêncio?! Ou são cegas e surdas, suas imbecis?!...
Depois, Ramon subiu novamente à sua montanha, virou pra sua mãe e disse: Mãe, oh mãe, não deixes que a matem assim! Diga alguma coisa, mãe! Faça alguma coisa!
Então, Ramon sentou-se numa pedra encima da montanha, apoiou os cotovelos nos joelhos, escorou o queixo nas mãos, fechou os olhos e não viu mais nada. Sentiu o frio da noite, ouviu o silêncio das máquinas, saboreou o perfume da terra, amou a e à luz da lua, contemplou não sei mais o quê, e morreu em paz.
Uma companhia qualquer de mineração fez explodir uma gigantesca carga de dinamite, e Ramon e sua amada montanha vieram abaixo. Pobre Ramon, não sabia que a sua montanha era 80% (oitenta por cento) minério-de-ferro puro de alto valor industrial.
Vai virar ferro e aço japonês ou alemão que depois serão transformados em chassis, motores, latarias e carcaças de ônibus americanos, caminhões italianos e carros brasileiros que, reincorporados então sob a forma desses estranhos animais, fantasmagoricamente se rematerializarão lá embaixo, na cidade grande, pra incrementar ainda mais a demoníaca e infernal poluição atmosférica e sonora.

Escrito num dia qualquer de julho de 1973, na Floresta, em BH, mais ou menos na mesma época em que grande parte da Serra do Curral foi detonada pelo mesmo motivo que a montanha do Ramon.

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