segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Que idéias!


Que idéias!
(a propósito de prosopopéias e onomatopéias)

Desejo ainda renascer, viver e morrer num planeta aquoso de Cassiopéia
onde a minha alma voe com cem mil asas, que nem mil aladas centopéias,
sonhando toda noite com o fantasma da bela e erótica deusa grega Atenéia.
Morar numa casa avarandada nos contrafortes do vulcão de Pompéia,
ou em outra, com deck e cais, na margem norte do Reno, na Basiléia,
ou ainda outra – uma cabana de beduínos, talvez – nos desertos da Eritréia.
(porém, em qualquer delas, apenas jardins e quintais de azaléias)
Ouvir cães, gatos, cobras e lagartos cantantes numa sinfônica prosopopéia
(ou apenas miaus, au-aus, sibilados e chiados, simples onomatopéias)
Comer somente mel de abelhas, retirado diretamente das colméias
e produtos naturais, orgânicos, vegetais, sob a forma de geléias.
Não ter a menor idéia de quem seja Germana, Cassandra ou Dorotéia.
E no fim da vida, viver uma pequena e singela greco-romana epopéia
ou, ao menos, uma rápida, fugaz e mortal oriental odisséia.
Mas, tudo isso é pura, insana e alucinada falta de idéia!
Apenas algo que se semeia, depois na mente permeia
(e no cérebro manca e coxeia), sempre após a meia-noite e meia.

sábado, 8 de agosto de 2015

Rosi Macarte


Rosi Macarte

De um longínquo e nostálgico interior veio Rô,
a que mais cedo e profundamente invadiu,
desbravou e povoou
o meu inteiro interior.
Se Si me fez subir feito zumbi
as longas e tortuosas ruas noturnas
da Serra da cidade soturna,
com Ma quase entrei em coma renal
Respirando todo o sal
suspenso em vapor
numa ressaca brava no Arpoador.
E quando eu e Car nos vimos
numa tarde qualquer de 5 de fevereiro,
um prédio pegou fogo ao lado de nós
em Ipanema, na rua Jangadeiros.
Depois encontrei Tê chorando ao telefone
em pleno Posto 9 (nove)
(dos postos de praia, não telefônicos)
e a levei pra casa, pra chorar mais suave,
que praia não é lugar de choros oceânicos
nem lacônicos.
Ro, Si, Ma, Car, Te,
cinco mulheres marcantes
que marcaram-me
a sol e sal,
terra, serra, mar,
fogo e falta de ar.
Pobre de mim que queria – minto,
ainda quero –, insanamente
reencontrar as cinco
numa somente.

sábado, 1 de agosto de 2015

Policromogastroaromasensofonia


Policromogastroaromasensofonia

Enquanto caminhava calmamente por aquela magnífica floresta tropical, ela ouvia uma maravilhosa sinfonia de cores, como uma imensa e fabulosa orquestra caleidoscópica produzindo, emitindo, ressonando e reverberando harmoniosa e compassadamente a vibração de todos os matizes, nuanças e tons de todas as cores de cada planta, cada flor, cada ramo, cada galho, cada tronco e até de cada raiz, por mais profunda, escondida e obscura que estivesse.
Ao mesmo tempo ia vendo de forma nítida, clara, pura e cristalina, todos os sons, barulhos, uivos, piados, trinados, tritrilados, zumbidos, grunhidos, cantos, gritos, crocitos, coaxados, roncos, choros, lamúrias, alardes, alarmes, cacarejos, arquejos, sussurros e cochichos de todos os bichos, fossem eles andantes, parados, rastejantes, grudados, voadores ou trepadores, da floresta.
Podia, ainda, sentir à flor da própria pele todos os aromas, todos os cheiros, todos os odores de todas as plantas, árvores, ramos, matos, capins e flores; enquanto degustava, saboreava, e às vezes até comia, todas as sensações epidérmicas, físicas e ortopédicas que ia sentindo: um toque, um esbarrão, um tropeço, uma carícia, um arreio, algo seguro na própria mão, uma outra mão, o simples caminhar, o correr, o ficar, o frio ou o calor que sentia e até mesmo o próprio espaço que a envolvia.
Só não entendia muito bem como é que conseguia, simultaneamente, cheirar todo calor, frio, umidade, secura, vento, sol ou lua que fazia, tanto de noite quanto de dia, mas... tudo bem, acostumou-se com isso também.
Tornou-se um saudável, regenerativo, agradável e instrutivo hábito diário, matinal, florestal e floral: todo meio de ano, nos meados de julho, lá ia ela pra sua floresta de ipês roxos, amarelos, brancos, rosas, vermelhos, azuis, lilases, cremes, laranjas, mexericas, abacates, mamões, melancias, melões, manacás, jabuticabas, jatobás, sibipirunas, aroeiras, paraúnas e mangueiras.
Porém, bem mais tarde na vida, um dia consultando sua médica geriatra-geneticista, descobriu que em sua montagem genético-cromossômica – aquela onde ocorrem as manipulações via DesoxyriboNucleic Acid (o tal DNA), para definição de características secundárias, tais como: cor dos olhos, dos cabelos, da pele, etc – todos os pares de conectores terminais dos seus feixes de nervos acopladores que interligam os neurônios senso-especialistas do seu multiprocessador central (cérebro) aos seus respectivos dispositivos sensores-captadores periféricos básicos (boca, olhos, nariz, ouvidos e pele) haviam sido todos imprudente, espantosa e premeditadamente trocados, invertidos, permutados, assim: 1a com 3b, 2a com 1b, 3a com 4b, 4a com 5b, 5a com 2b.
Depois dessa desnecessária, dispensável, infeliz e trágica consulta médica, ela desenvolveu irremediavelmente uma nova doença psicótica, jamais antes observada, que pode ser classificada e catalogada como sendo uma espécie de síndrome de multifonocromogastroaromasensofobia.