Chuva de maritacas recorrentes
Estava pensando em dar uma boa caminhada pelos arredores, mas amanheceu chuviscando e o chuvisco foi aumentando, aumentando, e agora está chovendo grosso. Achei que podia muito bem ficar em casa e estudar alguma coisa ou continuar lendo um bom livro, mas, um bando de maritacas, pra mais de cem delas, começou a fazer a maior algazarra voando de árvore em árvore em torno da casa, num barulho ensurdecedor, emitindo mais de oitenta decibéis por segundo (vou denunciá-las, por poluição sonora, ao IBAMA!), o que impedia qualquer atividade intelectual minimamente aceitável.
Então, resolvi ligar o notebook pra brincar um pouco de escrever, porque eu queria dar uma boa caminhada pelas redondezas, mas não pude porque amanheceu chuviscando e o chuvisco foi aumentando, aumentando, e depois começou a chover grosso.
Mas também não conseguia brincar de escrever no notebook porque um bando de maritacas, pra mais de cem delas, começou a fazer a maior algazarra voando de árvore em árvore em torno da casa, num barulho ensurdecedor, emitindo mais de oitenta decibéis por segundo, ameaçando qualquer atividade intelectual minimamente produtiva.
Porém, dia desses eu estava pensando num conto (*) muito legal que eu li anos atrás em que o cara escrevia de um jeito bem diferente, um jeito assim tipo “excessivamente repetitivo e recorrente”, tipo esse que eu estou tentando fazer aqui, e achei que esse era um bom jeito de ficar brincando de escrever, enquanto a chuva continua caindo me impedindo de dar uma boa caminhada e o danado do bando de maritacas segue atacando os meus ouvidos.
Estava procurando, também, um livro do Saramago onde ele escreve mais ou menos assim também, só que, pior, ou melhor ainda, com o mínimo de pontuação e tudo em letras minúscula. Mas esse livro eu não achei não, acho que emprestei pra alguém e, pra variar, não me devolveram.
Então, como o desgraçado do bando de maritacas continua atacando os meus tímpanos e o chuvisco que virou chuva segue desabando dos céus, eu achei que um bom jeito de passar o meu mau tempo era tentar brincar de escrever de uma maneira não convencional, como do jeito muito legal que eu li anos atrás em que o cara escrevia de um jeito bem diferente, um jeito assim tipo “excessivamente repetitivo e recorrente”, tipo desse jeito que eu estou tentando fazer aqui.
Agora acho que, enfim, vou conseguir escrever alguma coisa, de um modo um tanto-quanto diferente, como num conto (*) muito legal que eu li há poucos anos atrás em que o cara escrevia de um jeito bem anti-convencional, um jeito assim tipo “recorrentemente repetitivo e excessivo”, tipo esse que eu estou tentando fazer aqui, porque o bando de maritacas, pra mais de cem delas, que começou a fazer a maior algazarra voando de árvore em árvore em torno da minha casa, num barulho ensurdecedor, emitindo mais de oitenta decibéis por segundo, impedindo qualquer atividade intelectual minimamente aceitável, foi embora pra outras bandas. E também o chuvisco, que foi aumentando, aumentando, até virar chuva grossa, agora parece que está diminuindo, diminuindo, de verdade, e periga parar de vez.
Engano meu, porque o chuvisco que, de manhã, foi aumentando, aumentando, até virar chuva grossa, e depois foi diminuindo, diminuindo, parecendo parar de vez, voltou a aumentar e promete ficar como chuva verdadeira pro dia inteiro.
Pior é que, com a volta da chuva as danadas das maritacas também voltaram – acho que o que elas estão querendo mesmo é tomar banho de chuva ou então lavar roupa suva na chuja, digo roupa suja na chuva. Será que é daí quem vem o famoso dito popular “falando que nem maritaca” ou “que nem lavadeira na chuva”? Pode ser que seja, apesar de que, neste caso, quem estava na chuva eram as maritacas e não as lavadeiras, mas, isso, aqui, não vem ao caso e nem tem a menor importância.
(o que pode ser importante, ou não ter importância alguma, é que com essa brincadeira de “copiar” e “colar” textos, eu acabei perdendo a parte inicial desse parágrafo e o que sobrou é isso: porque elas estavam voando de árvore em árvore em torno da casa, num barulho ensurdecedor, emitindo mais de oitenta decibéis por segundo, o que impedia qualquer atividade intelectual minimamente decente, eu resolvi ficar brincando no notebook)
Agora realmente não tem nem uma só gota de chuva caindo e nem uma única maritaca voando, mas o tempo esfriou e eu acho que peguei um resfriado de mudança de estação (hoje já é inverno e ontem ainda era verão), e estou achando melhor ficar dentro de casa mesmo.
Assim, apesar da chuva que amanheceu chuviscando e foi aumentando, aumentando, até virar chuva grossa, já ter parado, e do bando de maritacas, pra mais de cem delas, que começou a fazer a maior algazarra voando de árvore em árvore em torno da casa, num barulho ensurdecedor (Nível sonoro > 80 dB/s), o que impedia qualquer atividade intelectual minimamente aceitável, já ter revoado pra outro lugar, eu não vou sair de casa porque está frio e eu peguei um resfriado de mudança de estação (hoje já é inverno e ontem ainda era verão), e porque não vou ler nem estudar porque já tinha começado a brincar de escrever no notebook e porque me lembrei de um conto (*) muito legal que eu li anos atrás em que o cara escrevia de um jeito bem diferente, um jeito assim tipo “excessivamente recorrente e repetitivo”, tipo esse que eu estou tentando fazer aqui, e porque eu não achei meu livro do Saramago onde ele escreve mais ou menos assim também, só que, pior, ou melhor ainda, com o mínimo de pontuação e tudo em letras minúscula, o qual eu não achei porque devo ter emprestado pra alguém e, pra variar, não me devolveram, e porque não é do meu feitio fazer as coisas pelas metades, principalmente coisas escritas, agora tenho que acabar de escrever isso que comecei a escrever. Pronto, acabei. Continuo não vendo nem ouvindo algazarra de maritaca. Um barulhinho de chuva até que é muito bom. Acho que agora posso ler sossegado.
Quem gostava muito de escrever mais ou menos assim também, mais pra menos do que pra mais, ou vice-versa, não interessa, era o Millôr Fernandes, um dos meus grandes mestres-escriba, recém-falecido – que os céus o tenham. Estão achando estranho este parágrafo não ter sido escrito, também, no modo “recursivo repetitivo recorrente”? É que ele, muito mais do que um simples PS (pós-escrito), é uma homenagem póstuma, ou seja, é um PM (pós-morte). Uma homenagem póstuma, que é muito mais do que um simples PS, nota de jornal ou de rodapé de página, ao grande Millôr Fernandes, meu mestre falecido, recém admitido escriba nas academias celestiais, que gostava muito de escrever mais ou menos assim também, mais pra menos do que pra mais, ou vice-versa, não interessa.
(*) André Sant’ana – “Minhas Memórias” – Geração Linguagem – Ficções – SESC-SP / Lazuli Editora - 2004
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