Alguém irremediavelmente viciado em escritas e estrelas, projetando palavras interiores em espaços exteriores.
terça-feira, 15 de dezembro de 2015
Circo de Papel
Circo de Papel
(um pequeno conto-crônica sobre os primeiros escritos dela,
em papel pautado, espiralado, encadernado e não amassado!)
– Vô, vamos fazer uma história?
Ela abriu um dos seus livrinhos pra criança, só com figuras para colorir, e o assunto do livrinho era personagens, situações e coisas de circo. E isso me fez lembrar o que ela havia me perguntado há poucos dias a respeito de livros.
– Vô, qual o livro que você mais gosta?
E eu, depois de ficar meio espantado, abobado e atrapalhado, respondi que gosto de muitos. Mas, minutos depois, acrescentei que havia um que eu gostava de modo especial e que se encaixava bem na questão do momento da repentina e inusitada pergunta, que era “Alice no País das Maravilhas” (e eu até achei, na web, uma versão muito boa, resumida e adaptada, para crianças). Mas, isso já é uma outra história...
Esta história de circo, sua primeira história formalmente escrita em papel e que, conforme pode ser observado nas duas fotos da sinopse, em anexo, foi simultaneamente redigida em arabesco, latim, sânscrito, senegalês e mandarim, é a que vamos contar agora.
Porem, primeiro, vamos fazer um pequeno relato a respeito do processo de criação e produção da historia: cada linha escrita no bloquinho dela corresponde a uma página do livrinho, e eu só podia virar a página depois que ela completasse a historia de cada figura, escrevendo até o fim de cada linha – e ai de mim se eu quebrasse essa ordem, vinha bronca e esculacho geral!
– Vô, não vira ainda não!!! – Já tô acabando essa...
– Agora pode virar, Vô! – Agora, poooddeeee!!!
– O quê que será que vem agora?! – Vamos ver!!!
Era uma figura de palhaço, e eu dizia: Tá com chapéu vermelho cm uma fita amarela e uma flor verde encima e tem calça larga azul e camisa xadrez marron e branca e sapatões da cor de laranja madura, e é um palhaço que gosta muito de fazer palhaçadas. E ela completava: e a bailarina de vestido azul brilhante de princesa tá voando no alto com uma bolsa vermelha cheia de pipoca pra jogar pros meninos e pros passarinhos que moram na árvore amarela que tem lá atrás da montanha marron de terra verde da rua da pracinha que tem enfrente à casa da vovó branquinha.
E lá fomos nós, viajando em página por página do livrinho e em linha por linha do bloquinho, interpretando livre, alegre e levemente, traduzindo e transpondo, as figuras de um nas linhas do outro.
Eu: é uma foca cor de rosa com um chapéu de palhaço amarelo na cabeça se equilibrando encima de uma bola vermelha cheia de estrelinhas prateadas.
Ela: e o macaquinho amarelo doido com calça preta de papel e camisa de bóia azul pulou no rio do céu fazendo piruetas e cambalhotas pra roubar pirulito do menino verde de verdade que morava na floresta encantada de branco do coelhinho cinza da lagoa vermelha do sítio do jacaré fraquinho (porque não papava direito) e do leão fortão (porque comia um tantão).
E, assim, a gente foi saltitando, malabareando e trapeziando através das páginas daquele livrinho multicolorido e super divertido.
É o corajoso trapezista prateado saltando no ar azul...
É a linda fada azul colhendo balas de prata pras crianças...
E isso aconteceu assim simplesmente porque acontece assim nos ilustres e respeitáveis espetáculos circenses: às vezes mais vale o que viaja pela livre e pura imaginação do que o que se vê e se ouve na dita realidade (que, às vezes, é pura enganação).
É que, mais do que a bela e doce magia que os olhos vêem, os ouvidos escutam e a pele sente, vale também, e por vezes muito mais, o que o coração cria, a alma imagina e o espírito sonha.
Fotos: os primeiros escritos, em letras formais e convencionais, da Clara, aos quatro anos e menos um mês de idade.
O livrinho que inspirou essas historinhas dela: Colorir – vol. 2, com ilustrações de Pascale Junker – Editora Libris.
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Sensacional! Adorei.
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