segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Dez anos à toa!

Dez anos à toa
Dez anos de vida “atoa”.
Mas que coisa boa!
Eu, que não sou tão coroa,
sem doença alguma que doa,
nem mal estomacal que enjoa.
Mas que vida boa!
Eu, que me divirto em qualquer garoa,
que moro em beira de mato e lagoa,
que todo ano passo por Lisboa,
que ninguém jamais magoa.
Mas que coisa boa!
Eu, que piloto minha canoa de pé na proa,
porque meu barco dispensa qualquer toa.
Eu, que não me importo por que o sino soa,
nem mesmo quando insistentemente ressoa. 
Mas que vida boa!
Por aí afora meu espírito livre, leve, voa.
Que coisa boa, comigo ninguém zoa!

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Ghosts and wounds

 Fantasmas e feridas
Sentado à sombra de uma sombrinha de piscina na beira da piscina das minhas sobrinhas – o que vale dizer que elas, piscina e sombrinha, também são minhas –, sossegadamente lendo o Livro do Desassossego de Fernando Pessoa: De repente, como eu estava na piscina ao lado da minha casa, olhei para a minha casa ao lado da piscina e pensei, como qualquer pessoa provavelmente teria pensado no seu desassossego: em apenas vinte e poucos anos de história dessa casa, sei de cinco ou seis pessoas que passaram por ela, como visitantes ou servidores, e que já morreram – inclusive hoje, 01/12/12, morreu mais uma, uma humilde recente servidora dessa casa.
E a morte de algumas dessas pessoas, especialmente de uma ou duas delas, foi extremamente marcante, chocante, um fato realmente transformador, na minha vida. Eventos absolutos que me renderam, com uma lucidez e uma clareza atordoantes, uma noção exata, perfeita, quase matemática, da inexorabilidade, da inexpugnabilidade e da fatalidade da morte. Nem quando minha mãe morreu, há mais de 42 anos, e nem mesmo quando meu pai morreu, há menos de 2 anos, essa idéia do que seja “morrer” me ocorreu com tanta força, tanta intensidade, tanta luminosidade, tanta inquestionabilidade.
Talvez justamente porque vivemos num mundo tão paradoxal, tão dual, tão bilateral, tão cheio de antagonismos e opostos, é que os nossos aprendizados, lições e conhecimentos costumam surgir através de situações geralmente tão contraditórias.
Pois, para mim, essa revelação franca, aberta, escancarada, nua e crua do que é o “morrer” aconteceu exatamente através da morte de pessoas que sempre significaram coisas tais como férias, viagens, festas, passeios, alegria, sol, verão, carnaval, rio, salvador, fortaleza, mar, praia, mato, interior, montanha, fazenda, sítio, lagoa, piscina, calor, frescor, família, amizade, companheirismo, amor... ou seja, simplesmente Vida! É aprender a morte, literalmente, através da vida, o que, pensando bem, não poderia ser diferente.
Mas, quero deixar bem claro que não estou querendo falar nada, absolutamente nada, sobre o “significado” ou o “propósito” da morte, longe disso! Estou apenas tentando dizer alguma coisa sobre a sua pura e simples inevitabilidade, sua infalibilidade.     
Entretanto, a questão que me chamou a atenção, naquele meu detido e prospectivo olhar da piscina para a casa, é outra, também de fundamental, mortificante ou mortal, importância: qual será o morador, o habitante, desta casa que irá morrer primeiro? E a resposta, que não me trouxe nenhum desassossego, mas nem por isso me deixou mais sossegado ou com vontade de mais sossegar, foi muito clara: com certeza eu mesmo!
E isso me lembrou uma certa conversa noturna que há pouco tempo tive, nesta mesma casa, com alguns inconvenientes, oportunistas, inoportunos e invisíveis visitantes não-identificados. Naquele nosso prosear lhes dizia eu que quem tem a primazia, o direito perpétuo, inalienável, inabalável, irrevogável e sacramentado, de assombrar esta casa em primeira-mão, sou eu e mais ninguém. Os argumentos de que, além de ser o seu construtor, eu sou o primeiro e único morador da casa e seu maior zelador, pelo menos até agora, foram imbatíveis. Nem mesmo no além, nenhum questionamento mais além.             
Por falar nessa casa, lembrei de algo, que não tem nada a ver com fantasmas, feridas ou morte, muito ao contrário, mas que merece registro antes que a memória falhe e a idéia se dissolva nas fantasmagóricas brumas do passado, tal qual com certeza ocorrerá naquele exato momento em que me transformarei num mero espectro periespiritual, numa indistinguível e inextinguível sombra a vagar pela tal casa:
Esta casa onde hoje eu moro, fica localizada num sítio de um lugar chamado Quinta do Sumidouro – que é bairro de Fidalgo, que é um distrito de Pedro Leopoldo, que é uma cidade de Minas Gerais, que é um Estado do Brasil –, e toda quinta-feira é dia de limpeza da casa, e eu saio da casa, sumo mesmo, para não atrapalhar o trabalho das faxineiras. Daí vem uma outra pergunta fundamental, vital, capital, que insiste em não sossegar o meu matutar, o meu pensar, tipo “decifra-me ou te atormentarei eternamente”: eu moro na quinta do sumidouro porque toda quinta-feira eu sumo de casa, ou eu sumo de casa toda quinta-feira porque eu moro na quinta do sumidouro?!
Verdade é que há poucos anos atrás, em noites tenebrosas e arrepiantes, não necessariamente de quintas-feiras, realmente houvera sentido por aqui a presença agourenta e horripilante de alguns fantasmas negros, muitos deles carreados acorrentados de outras longínquas terras inferiores. Mas, felizmente, a energia positiva dos belos dias de calor, vento, sol e céu azul tem sido muito mais freqüente e dominante nessa minha nova terra. É que os meus grandes e velhos amigos de luz, aqueles dos bons níveis superiores, têm estando insistente e incansavelmente ao meu lado, dia e noite, por mais que às vezes eu os tenha esquecido e abandonado. Nos meus caminhos seguem muito mais anjos do que demônios.
Como quando a lâmina metálica da borda de uma calha guarda-águas corta profundamente a pele e a carne, e o sangue jorra livre, quente, abundante, perna abaixo. E advêm o medo, o temor de uma veia vital rompida e os fantasmas de uma noite não muito distante; memória ainda fresca e latente no cérebro, como o sangue novo que continua escoando e a ferida aberta, latejando.
Enfim, o sangue estancado, apaziguado. O alívio, a distensão, a respiração normal recuperada, a freqüência cardíaca normalizada, a serenidade, a vida! E vem a estranha e feliz sensação de se ter trocado cinqüenta mililitros de sangue, perdidos, por mais alguns meses ou anos, extras, de vida, ganhos. Tomando emprestado do Renato Russo, numa música dele, posso dizer claramente que “escuridão já vi pior”.                             
No final, o que fica como lembrança são apenas duas ou quatro tranqüilizadoras tiras de esparadrapo, de 10cm x 3cm, sobre as feridas cicatrizadas. Negros fantasmas definitivamente sepultados sob brancas fitas de esparadrapo. Esparadrapo! Uma palavra tão ou mais esquisita quanto Escafandrista! Faz-me lembrar de Handkerchief, em inglês, uma palavra tão bonita para uma função, frequentemente, tão feia. Já Desassossego e Restlessness, sua versão inglesa, são muito bonitas também e têm funções e significados muito mais dignos, à altura das suas belezas. Elas têm, inclusive, a misteriosa e inquietante quantidade igual de “s”, em posições, combinações e seqüências muito parecidas nas duas palavras: deSaSSoSSego, reStleSSneSS. Acho que não vou ficar sossegado enquanto não entender o que isso quer dizer... Mas isso são outras palavras...

Ela

Ela
Ela é “aquela”
que nunca amarela!
Mas, só para ver ela,
pra que pular a janela,
se a porta nem tem tramela?
É medo da cadela?
Pode uma flor tão bela,
cheirando a cravo e canela,
caber numa simples gamela?
Só porque é a gamela dela,
polida a óleo em flanela?
Será seu nome Hela, Lela?
Ou será Isabela, Manuela?
O sobrenome sei que é Ornela.
Cuidado, deixe de querela!
Confie mais nela,
senão esse amor mela!
E no carnaval, depois da Portela,
bêbado, cairás da sela
e vagarás por qualquer ruela.
No final, situação sem tutela
guardada à luz de vela!
Por ela, quem zela?!