domingo, 12 de agosto de 2012

Dare to disagree

Ousadia para discordar
por Margaret Heffernan

(transcrição de palestra publicada em vídeo no site TED – Technology, Entertainment and Design – ideas worth spreading – ideias que merecem divulgação, em Agosto de 2012. tradução: Roberto Corrêa)

Em Oxford (Inglaterra), nos anos 1950, havia uma médica fantástica, o que não era muito comum, chamada Alice Stewart. E Alice era incomum particularmente porque, é claro, era mulher, o que era muito raro nos anos 1950. E ela era brilhante. Ela foi, na época, uma das pessoas mais jovens eleitas para o conselho consultivo do Royal College of Physicians (Faculdade Real de Medicina). Ela era extraordinária também porque continuou a trabalhar depois do casamento e depois de ter filhos. E mesmo depois de divorciada, cuidando sozinha da família, ela prosseguiu integralmente sua carreira médica.
E ela era notável também porque estava realmente interessada em uma nova área da ciência médica, do então emergente campo da epidemiologia, que é o estudo de padrões relevantes em moléstias. Mas, como todo cientista, ela gostava desse trabalho porque poderia deixar sua marca, deixar sua contribuição para a ciência e para a sociedade. E tudo que ela precisava fazer era encontrar um problema difícil e resolve-lo. O problema difícil que Alice escolheu foi a crescente taxa de incidência de câncer na infância. A maioria das moléstias epidêmicas está correlacionada com a pobreza da população, mas no caso do câncer na infância as crianças que estavam morrendo pareciam ser provenientes, em maior parte, de famílias abastadas. Então, o quê, ela queria saber, poderia explicar essa anomalia?
Alice teve problemas para angariar fundos para suas pesquisas. No final, ela conseguiu apenas 1000 Pounds, do Lady Tata Memorial Prize. E ela sabia que isso significava muito pouco para pesquisar e coletar seus dados. E, pior, ela não tinha a menor idéia de como começar. Era realmente uma pesquisa do tipo “procurar uma agulha no palheiro”. Então ela começou a perguntar qualquer coisa que pudesse imaginar, tal como: As crianças tinham comido doces muito quentes? Tinham bebido sucos artificiais? Comiam chips? Suas casas tinham água e esgoto encanados? Com que idade elas entraram para a escola?
E quando seus questionários de cópias de papel carbono começaram a chegar de volta, uma coisa, e somente uma coisa, ressaltou-se com uma clareza estatística de tamanha evidência, com a qual a grande maioria dos cientistas pode apenas sonhar em ter. A uma taxa de uma para duas, ou seja, de 50%, as crianças que tinham morrido tinham mães que haviam feito exames tipo raio-X (radiografia) quando estavam grávidas. Mas essa descoberta bateu de frente com a ciência convencional e o senso comum, que estavam muito entusiasmados com a nova alta tecnologia da época que era justamente a máquina de raio-X. E bateu de frente também com a idéia de que a própria medicina, por tratar da saúde das pessoas, nunca poderia, por meio algum, fazer mal a ninguém.
Todavia, Alice Stewart precipitou-se ao publicar dados preliminares de suas descobertas no jornal The Lancet, em 1956. As pessoas ficaram muito excitadas. Falaram até de Prêmio Nobel para ela. E Alice estava muito ocupada, e com muita urgência, apenas em estudar todos os casos de câncer infantil que ela pudesse encontrar, antes que eles não estivessem mais disponíveis. Na verdade, ela não precisava ter tido tanta pressa porque demorou mais de 25 anos para que as instituições médicas britânicas e americanas abandonassem de vez a prática de radiografias por Raio-X em mulheres grávidas. Todos os dados estavam lá, estavam abertos, estavam livremente disponíveis, claros e transparentes, mas ninguém queria saber disso. Estava morrendo uma criança por semana, mas nada mudava! Franqueza e transparência sozinhas não podiam mudar nada.
Então, por 25 anos Alice Stewart comprou uma briga, enfrentou uma grande luta. Mas, como é que ela sabia que estava certa?! Bem, ela tinha uma incrível e inusitada forma de pensar e trabalhar. Ela trabalhava com um estatístico chamado George Kneale, e George era tudo o que Alice não era, ou o seu oposto: Alice era muito sociável e extrovertida, e George era muito recatado e recluso. Alice era muito calorosa e empática com seus pacientes. George declaradamente preferia muito mais os números do que as pessoas. E ele disse uma coisa no mínimo estranha e espantosa sobre o relacionamento de trabalho dos dois: “Meu trabalho é provar que a Dra. Stewart está errada”. E ele ferrenhamente procurou confirmar isso avaliando as bases de dados e os modelos estatísticos do trabalho dela sob diferentes formas, cruzando exaustivamente os dados de diferentes modos e usando diferentes meios. Tudo para tentar provar que ela estava errada! Ele viu que seu trabalho estava realmente criando conflitos nas teorias dela. Mas, foi justamente por não ser capaz de provar de forma cabal e inequívoca que ela estava errada que George pôde dar a Alice a confiança que ela precisava para ter certeza que estava certa!
Este é um fantástico modelo de colaboração: Parceiros de trabalho que não se tornam “caixa de ressonância” mútua! Ou “espelhos” um do outro! Eu fico imaginando quantos de nós realmente temos, ou ousariam ter, colaboradores tão antagônicos e conflitantes assim. Alice e George eram muito bons em conflitos. E eles viam isso simplesmente como uma forma de pensar diferente.
Então, o que este tipo de conflito construtivo requer? Bem, antes de tudo, isto requer que encontremos pessoas que sejam muito diferentes de nós mesmos. Isso significa que temos que resistir à nossa tendência neurobiológica natural, que dita que nós, via de regra, realmente preferimos como parceiros pessoas parecidas conosco, e isso implica que nós temos que procurar pessoas com diferentes conhecimentos, de diferentes disciplinas, com diferentes modos de pensar e diferentes experiências pessoais e profissionais. E encontrar meios sólidos de nos engajarmos com eles e vice-versa. Isso requer muita paciência e muita energia.
E quanto mais eu penso sobre isso mais eu acho, na verdade, que isso é um tipo de dedicação amorosa. Porque você simplesmente não iria empenhar tanto tempo e energia se você realmente não se importasse com isso. E isso significa também que nós temos que estar preparados para mudar nossa cabeça. A filha da Alice me disse que toda vez que Alice se via confrontando seus colegas cientistas, isto a fazia pensar, pensar e repensar. Ela disse: “Minha mãe não gostava de brigar, mas ela era realmente muito boa nisso”.
Então, isso é uma boa coisa para se fazer em relacionamentos pessoais. Mas, o que me preocupa muito é que os maiores problemas que enfrentamos, os maiores desastres que já vivenciamos, em grande maioria, não foram provocados por indivíduos, por pessoas isoladamente. Estes problemas e desastres nasceram em organizações, em empresas; muitas delas maiores que grandes países, muitas delas capazes de afetar centenas, milhares, e até milhões de vidas. Então, como é que as organizações pensam? Bem, a maioria simplesmente não pensa! E não é porque elas não querem. É, de fato, porque elas não podem, não conseguem. E elas não podem, não conseguem, porque as pessoas dentro delas têm muito medo de conflito.
Enquetes junto a altos executivos americanos e europeus mostraram que 85% deles reconheceram que têm questões e problemas de trabalho que eles têm receio de apresentar. Receio dos conflitos que isso poderia provocar, medo de se envolverem em discussões e debates que eles não saberiam como administrar, e sentindo que com certeza iriam perder. 85% é realmente um grande número. Isto significa que a grande maioria das organizações não pode fazer o que Alice e George fizeram com tanto sucesso. Elas não podem, não conseguem, pensar junto. E isso significa que pessoas como muitos de nós, que gerenciamos empresas, que buscamos formas de encontrar os melhores colaboradores que podemos, falhamos em conseguir obter o melhor deles.
Então, como nós podemos desenvolver as habilidades que precisamos? Porque isso requer habilidade e prática, também. Se nós optamos por não temer os conflitos, nós temos que encarar isso com cabeça aberta, e nós temos que nos tornar realmente bons nisso. Recentemente eu trabalhei com um executivo chamado Joe. E Joe trabalhava para uma empresa de aparelhos médicos. Joe estava muito preocupado com um aparelho que eles estavam desenvolvendo. Ele achava que o aparelho era muito complicado e que tal complexidade acarretava significativas margens de erro que poderiam ser realmente perigosas para as pessoas. Ele estava com medo de causar danos aos pacientes que ele estava tentando ajudar. Mas quando ele olhou em volta de si, dentro da organização, ele viu que ninguém parecia preocupado com isso de forma alguma. Então, ele realmente não desejou dizer nada sobre isso. Afinal, ele pensou, talvez eles soubessem de alguma coisa que ele não sabia. Talvez ele fosse parecer estúpido. Mas ele continuou preocupado com o aparelho, e ele ficou tão temeroso com isso que chegou a um ponto tal em que pensou que a única coisa que poderia fazer era se demitir do trabalho que ele gostava tanto.
No fim, Joe e eu encontramos um jeito para ele apresentar seus questionamentos na empresa. E o que aconteceu então é o que quase sempre acontece em situações como essa. Ocorreu que todo mundo tinha exatamente as mesmas questões e dúvidas sobre o tal aparelho. E Joe ganhou aliados. Eles puderam pensar juntos. E, é claro, houve muito debate, muita argumentação e muito conflito. Mas isso permitiu que todos sentassem em torno da mesa, para serem criativos, para resolverem os problemas, para mudar o aparelho.
Joe foi o que muita gente costuma chamar de “canta-ao-vento”, exceto que ao contrário de quase todo “canta-ao-vento” ele não alardeava em falso de forma alguma, ele estava defendendo ferrenhamente os altos propósitos da organização em que trabalhava. Mas ele tinha ficado tão temeroso do conflito até que, finalmente, ele se tornou mais temeroso do silêncio. E quando ele ousou falar, ele descobriu muito mais dentro de si próprio e muito mais no sistema empresarial do que ele jamais tinha imaginado. E seus colegas jamais pensaram nele como um “canta-ao-vento”. Eles pensam nele como um líder.
Então, como podemos ter essas trocas de idéias mais facilmente e mais freqüentemente? Bem, a Universidade de Delft exige que seus estudantes candidatos a PhD apresentem cinco afirmações que eles estejam preparados para defender. Não importa sobre o que tratam essas afirmações, o que importa é que os candidatos estejam dispostos e capazes de se afirmarem perante as autoridades acadêmicas. Eu acho que isso é fantástico, mas fazer isso apenas com poucos candidatos a PhD, e tão tarde na vida, é realmente muito pouco. Eu acho que precisamos ensinar essas habilidades para as crianças e para os adultos a cada estágio do desenvolvimento educacional, se quisermos ter organizações realmente pensantes e uma sociedade realmente pensante.
O fato é que a grande maioria das catástrofes que temos testemunhado raramente ocorre devido a informações secretas ou desconhecidas. Elas acontecem a revelia de informações livremente disponíveis e divulgadas ao grande público. Mas nós ficamos teimosamente cegos, porque não conseguimos encarar, não queremos encarar, os conflitos que isso acarreta. Mas quando nós ousarmos quebrar o silêncio, ou quando nós ousarmos ver, e criarmos conflitos, capacitaremos a nós mesmos e as pessoas em torno de nós a fazer o melhor que podem, o melhor que podem pensar e imaginar.
Informação aberta é fantástico, redes abertas são essenciais. Mas a verdade não irá nos libertar até que desenvolvamos as habilidades, o hábito, o talento e a coragem moral para usá-la. Abertura e franqueza não é o fim. É o começo.

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