sexta-feira, 27 de abril de 2012

Chuva de maritacas recorrentes

Chuva de maritacas recorrentes

Estava pensando em dar uma boa caminhada pelos arredores, mas amanheceu chuviscando e o chuvisco foi aumentando, aumentando, e agora está chovendo grosso. Achei que podia muito bem ficar em casa e estudar alguma coisa ou continuar lendo um bom livro, mas, um bando de maritacas, pra mais de cem delas, começou a fazer a maior algazarra voando de árvore em árvore em torno da casa, num barulho ensurdecedor, emitindo mais de oitenta decibéis por segundo (vou denunciá-las, por poluição sonora, ao IBAMA!), o que impedia qualquer atividade intelectual minimamente aceitável.
Então, resolvi ligar o notebook pra brincar um pouco de escrever, porque eu queria dar uma boa caminhada pelas redondezas, mas não pude porque amanheceu chuviscando e o chuvisco foi aumentando, aumentando, e depois começou a chover grosso.
Mas também não conseguia brincar de escrever no notebook porque um bando de maritacas, pra mais de cem delas, começou a fazer a maior algazarra voando de árvore em árvore em torno da casa, num barulho ensurdecedor, emitindo mais de oitenta decibéis por segundo, ameaçando qualquer atividade intelectual minimamente produtiva.
Porém, dia desses eu estava pensando num conto (*) muito legal que eu li anos atrás em que o cara escrevia de um jeito bem diferente, um jeito assim tipo “excessivamente repetitivo e recorrente”, tipo esse que eu estou tentando fazer aqui, e achei que esse era um bom jeito de ficar brincando de escrever, enquanto a chuva continua caindo me impedindo de dar uma boa caminhada e o danado do bando de maritacas segue atacando os meus ouvidos.
Estava procurando, também, um livro do Saramago onde ele escreve mais ou menos assim também, só que, pior, ou melhor ainda, com o mínimo de pontuação e tudo em letras minúscula. Mas esse livro eu não achei não, acho que emprestei pra alguém e, pra variar, não me devolveram.
Então, como o desgraçado do bando de maritacas continua atacando os meus tímpanos e o chuvisco que virou chuva segue desabando dos céus, eu achei que um bom jeito de passar o meu mau tempo era tentar brincar de escrever de uma maneira não convencional, como do jeito muito legal que eu li anos atrás em que o cara escrevia de um jeito bem diferente, um jeito assim tipo “excessivamente repetitivo e recorrente”, tipo desse jeito que eu estou tentando fazer aqui.
Agora acho que, enfim, vou conseguir escrever alguma coisa, de um modo um tanto-quanto diferente, como num conto (*) muito legal que eu li há poucos anos atrás em que o cara escrevia de um jeito bem anti-convencional, um jeito assim tipo “recorrentemente repetitivo e excessivo”, tipo esse que eu estou tentando fazer aqui, porque o bando de maritacas, pra mais de cem delas, que começou a fazer a maior algazarra voando de árvore em árvore em torno da minha casa, num barulho ensurdecedor, emitindo mais de oitenta decibéis por segundo, impedindo qualquer atividade intelectual minimamente aceitável, foi embora pra outras bandas. E também o chuvisco, que foi aumentando, aumentando, até virar chuva grossa, agora parece que está diminuindo, diminuindo, de verdade, e periga parar de vez.
Engano meu, porque o chuvisco que, de manhã, foi aumentando, aumentando, até virar chuva grossa, e depois foi diminuindo, diminuindo, parecendo parar de vez, voltou a aumentar e promete ficar como chuva verdadeira pro dia inteiro.
Pior é que, com a volta da chuva as danadas das maritacas também voltaram – acho que o que elas estão querendo mesmo é tomar banho de chuva ou então lavar roupa suva na chuja, digo roupa suja na chuva. Será que é daí quem vem o famoso dito popular “falando que nem maritaca” ou “que nem lavadeira na chuva”? Pode ser que seja, apesar de que, neste caso, quem estava na chuva eram as maritacas e não as lavadeiras, mas, isso, aqui, não vem ao caso e nem tem a menor importância.
(o que pode ser importante, ou não ter importância alguma, é que com essa brincadeira de “copiar” e “colar” textos, eu acabei perdendo a parte inicial desse parágrafo e o que sobrou é isso: porque elas estavam voando de árvore em árvore em torno da casa, num barulho ensurdecedor, emitindo mais de oitenta decibéis por segundo, o que impedia qualquer atividade intelectual minimamente decente, eu resolvi ficar brincando no notebook)
Agora realmente não tem nem uma só gota de chuva caindo e nem uma única maritaca voando, mas o tempo esfriou e eu acho que peguei um resfriado de mudança de estação (hoje já é inverno e ontem ainda era verão), e estou achando melhor ficar dentro de casa mesmo.
Assim, apesar da chuva que amanheceu chuviscando e foi aumentando, aumentando, até virar chuva grossa, já ter parado, e do bando de maritacas, pra mais de cem delas, que começou a fazer a maior algazarra voando de árvore em árvore em torno da casa, num barulho ensurdecedor (Nível sonoro > 80 dB/s), o que impedia qualquer atividade intelectual minimamente aceitável, já ter revoado pra outro lugar, eu não vou sair de casa porque está frio e eu peguei um resfriado de mudança de estação (hoje já é inverno e ontem ainda era verão), e porque não vou ler nem estudar porque já tinha começado a brincar de escrever no notebook e porque me lembrei de um conto (*) muito legal que eu li anos atrás em que o cara escrevia de um jeito bem diferente, um jeito assim tipo “excessivamente recorrente e repetitivo”, tipo esse que eu estou tentando fazer aqui, e porque eu não achei meu livro do Saramago onde ele escreve mais ou menos assim também, só que, pior, ou melhor ainda, com o mínimo de pontuação e tudo em letras minúscula, o qual eu não achei porque devo ter emprestado pra alguém e, pra variar, não me devolveram, e porque não é do meu feitio fazer as coisas pelas metades, principalmente coisas escritas, agora tenho que acabar de escrever isso que comecei a escrever. Pronto, acabei. Continuo não vendo nem ouvindo algazarra de maritaca. Um barulhinho de chuva até que é muito bom. Acho que agora posso ler sossegado.
Quem gostava muito de escrever mais ou menos assim também, mais pra menos do que pra mais, ou vice-versa, não interessa, era o Millôr Fernandes, um dos meus grandes mestres-escriba, recém-falecido – que os céus o tenham. Estão achando estranho este parágrafo não ter sido escrito, também, no modo “recursivo repetitivo recorrente”? É que ele, muito mais do que um simples PS (pós-escrito), é uma homenagem póstuma, ou seja, é um PM (pós-morte). Uma homenagem póstuma, que é muito mais do que um simples PS, nota de jornal ou de rodapé de página, ao grande Millôr Fernandes, meu mestre falecido, recém admitido escriba nas academias celestiais, que gostava muito de escrever mais ou menos assim também, mais pra menos do que pra mais, ou vice-versa, não interessa.

(*) André Sant’ana – “Minhas Memórias” – Geração Linguagem – Ficções – SESC-SP / Lazuli Editora - 2004

quinta-feira, 12 de abril de 2012

A batalha do besouro no castelo

A batalha do besouro no castelo
ou O besouro na batalha do castelo
ou A batalha no castelo do besouro – versão realinhada, corrigida e estendida.


Não sei se serei capaz de contar essa estória sob este ponto de vista ou vista deste ângulo – o que dá na mesma –, de qualquer maneira vou tentar.
Esta é a estória do pequeno besouro na grande batalha pela conquista do imenso castelo (ou qualquer uma das duas outras opções de título acima):
Apesar de o preço unitário do gado-de-guerra ter sido unilateralmente elevado para o dobro no mercado negro de armas, os olhos atentos e vigilantes da branca águia fiscal – aquela da tão famosa “fábula do dinheiro”, o que não necessariamente significa uma “fábula de dinheiro” –, estavam suspeitosamente muito tranqüilos e gentis (provavelmente por se tratar de uma águia acostumada a voar sobre as terras do subcontinente norte-americano).
Mas, isso, só porque ela há muito tempo já conseguira neutralizar e dominar os bichinhos mais lentos e preguiçosos escondidos no meio da floresta. Então, ela pôs a sua chaleira-metralhadora para carregar e esquentar, mas, apenas por um pouco, pois a munição era paca, digo parca (paca era outra das suas presas prediletas).
Porém, êle, o tal besouro – dos vários títulos dessa estória –, sabia muito bem que no meio daquela insana confusão, em meio a turbulentas águas de guerra, nem mesmo uma gigantesca agulha de ouro poderia significar algum nobre e intransponível obstáculo para os remos de prata das pessoas de bem – aquelas mesmas, bem vestidas de púrpura, que brevemente navegariam rio acima (muito além de Acuruí e de São Bartolomeu).
Sabia, também, que a discussão inútil e sem importância a respeito das muralhas quadradas da fortaleza – se elas poderiam, ou não, ser construídas também de forma retangular, trapezoidal, circular, octogonal, fractal ou factóide –, não tinha sido assim tão razoável, pois não carregava poder de fogo suficiente para evitar o rufar dos tambores, a escalada dos rifles e o trovoar dos canhões (e pensar que o que ele, o beetle, queria mesmo era apenas trovar, assim como fizeram os seus quatro famosos amiguinhos que trocaram o seu segundo “e” por um simples “a”).
E que, mesmo sobre uma grande mesa de mármore preto, bem plana, lisa e apropriada para as negociações do armistício, muitos problemas táticos, balísticos, filosóficos, conceituais, espirituais, religiosos, estratégicos, logísticos e operacionais estavam esperando pela tartaruga branca encouraçada, como um desconfortável, incompreensível e inacreditável novo tipo de batalha.
No final, os valentes ex-combatentes, tios dos já citados beatles, tornaram-se obviamente mais respeitados e valorizados do que os simples, mortais e mutilados vegetais, daí por diante transportados somente por bicicletas especiais, aquelas com duas rodas paralelas.
E, então, um longo a alto assobio de trégua ecoou através das dobras dos universos (unis, multis, seriais e paralelos) proclamando que campos de batalha transformados em cemitérios de soldados nunca mais poderiam ser copiados e muito menos ajardinados, por mais que isso pudesse parecer uma idéia boa – mesmo que arrepiante, para alguns, e até excitante, para outros mais loucos.
Concluindo, assim como a virtude costuma trilhar o caminho do meio, o besouro venceu a batalha e ganhou o castelo. Ou será que ele venceu castelo e ganhou a batalha? Ou vendeu o castelo e comprou a batalha? Ou comprou o castelo e vendeu a batalha? Ou vendeu o castelo e comprou batatas? Ou saiu da batalha para comprar costelas? Ou simplesmente comeu costelas com batatas?