sábado, 25 de novembro de 2017

desassombrado


Vivendo num mundo sem sombras! Sem sombra de dúvida! Onde todas as sombras desaparecem, somem, desvanecem. Quando nenhum homem ou nenhuma mulher consegue enxergar a própria sombra!
É a hora em que ninguém consegue perseguir a, ou ser perseguido por, sua própria sombra. É no dia perfeito, na hora exata, no momento preciso, em que todas as sombras se vão e tudo fica absolutamente claro, limpo, plenamente ensolarado, desasombreado, desassombrado! Aliás, neste instante extremo todas as coisas, tudo que é objeto material tridimensional (sem abas ou partes suspensas capazes de projetar impertinentes sombras extras) sobre a superfície do planeta, tais como essa garrafa de vinho já vazia (pois vinho quente não dá! só azia!) sobre a mesa, perdem o sabor e a sombra, desaboream, desasombream, deixam de projetar sombras, cores e sabores, ficam descoloridas e desassombradas!

Foto: sábado, 25/11/17, 13h de verão, 12 no horário real, sol a pino, no prumo exato, no zênite perfeito, sobre este ponto do planeta (uma espécie de pré-solstício de verão, solstício que ocorrerá daqui há pouco menos de um mês)

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

752 anjos


meus anjos da madrugada
com a luz apagada,
à luz de vela,
velam, zelam,
por mim sozinho,
eu e minha taça de vinho

(na verdade, é luz elétrica
eu só não disse,
pra não quebrar a métrica)

quinta-feira, 9 de novembro de 2017

Sidi Belyout


na estação
um trem parte na linha 1
outro trem chega na linha 2
no momento em que os dois vagarosamente se emparelham,
dois olhares rapidamente se cruzam
o dele, no trem que chega
com
o dela, no trem que parte
tivesse ele chegado no trem anterior
ou
tivesse ela partido no trem posterior
(volta a cena)
ela não teria partido
pois eles teriam se encontrado
inescapavelmente
no saguão da estação
(não volta a cena)
nunca mais se verão
(nem no inverno ou em qualquer outra estação)

Foto: Estação Ferroviária Casa-Port / Sidi Belyout, às 22:17h (by Brumbe, da sua janela marroquina)

domingo, 5 de novembro de 2017

Maroc


Maroc

Estar no Marrocos,
no Marrocos não estar.
Ir de Casablanca pra Marrakech,
ou de Marrakech pra Casablanca.
E aqui não ficar nem voltar,
de Beaga pra Bagda
ou de Bagda pra Beaga.
Ler de frente pra trás,
ou de trás pra frente, vê?
É tudo a mesma coisa!
Coisa mesma, ah, tudo é.
Talvez somente três coisas,
três coisas somente talvez,
andando pra trás ou pra frente,
sejam de fato diferentes:
O universo em expansão ou em contração.
A vida em evolução ou em involução.
O amor em profusão ou em retração.
No mais, tudo o mais,
tanto fez quanto tanto faz.
Voar from Morocco to London,
ou voltar from London to BH
Só sei porque viajar ousei
Ousei viajar porque sei, só
E bebendo um bom Boulaouane rouge, vindo do alto do minarete da Mesquita Hassan II, ouvi ao longe:
Ácarap raja iv zefem euq o damahco otirgo are
Era o grito, o chamado, que me fez viajar para cá:
"SOCORRAM ME SUBI NO ÔNIBUS EM MARROCOS!
SOCORRAM ME SUBINÔ ON IBUS EM MARROCOS!"
Já não sei se quero voltar
Voltar quero, és ies, mas, não já.

Foto: um ônibus em Marrocos (este realmente pedindo socorro!)