sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

Luz não apagada


Luz não apagada

Uma varanda calada,
uma única, solitária, isolada
Em vinte e tantos andares,
ela só, só ela, iluminada
Talvez só por isso mesmo
atraiu tantos olhares
(o meu, pelo menos)
Mas, havia alguém ali,
uma pessoa sentada
Talves até sentida
(porém, isso não vi)
Mas muito bem acomodada
estava ela
naquela bela
poltrona almofadada
Gente também isolada,
talvez incomodada
e não tão bem acomodada,
não conformada,
na vida.
Por que? Sabe-se lá,
como saber não há
Ou foi o saber da pessoa
muito bem assentada?
Seu de fato saber da vida?
O fato é que houve lá
uma grande festa
(pois isso se ouvia de cá)
e muitas pessoas lá passaram,
comemoraram, beberam, festejaram
Algumas até sentaram
naquelas poltronas almofadadas
No final ficou só a pessoa isolada
Aquela pessoa iluminada
na varanda solitária
Agora a pessoa também se foi,
talvez sentindo-se abandonada,
e não há mais nada
Além da poltrona almofadada,
apenas uma lâmpada não desligada

E, de repente, toda a solidão do mundo
estava ali, naquela bela varanda
semi iluminada

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Minha religião, minha igreja e minha fé


Celebrando mais um Natal, rezando a minha epifania.

Minha religião, minha igreja e minha fé
(versão 3.1)

Minha igreja é uma sala de aula e um quadro negro
Minha bíblia é um caderno com todas as páginas em branco
Minha religião é querer as pessoas pensando livre, leve e franco,
apenas intuindo, raciocinando, argüindo, discutindo e refletindo
Minha fé é que, cedo ou tarde, elas acabarão conseguindo

Minha igreja não tem paredes nem muros
e muito menos portas, janelas, arcadas e altares
Minha bíblia está escrita nas estrelas de orion a antares
Meus deuses são o sol, centaurus, as plêiades, sirius...
Minhas deusas são a lua, uranus, iris, luma, vênus...

Minha bênção é a terra, a água, as chuvas e os ventos
Meus anjos e santos? as plantas, as árvores e seus frutos
Meus demônios? pernilongos, baratas e marimbondos
(e minha vida não comporta mais engodos nem imbondos)

Minha religião não precisa de igreja
Minha igreja já demitiu todos os sacerdotes
Minhas crenças dispensam dogmas, doutrinas e dotes
Minha fé já derrubou todos os templos de tijolo, pau ou pedra

Queimei papéis de oração
Rasguei figurinhas de adoração
Quebrei totens e ex-culturas de veneração
Vivo agora em divino e zen estado de contemplação!

Pobres civilizações que ainda cultuam deuses artificiais
Danados homens que continuam erguendo catedrais
Infelizes mulheres que seguem rezando ladainhas
Tristes crianças que dormem adorando santinhas

O meu batismo, a minha emancipação,
a minha libertação e a minha cremação,
a cada dia, todo santo dia, se dão e se vão,
no fogo dos dias e nas cinzas de cada ano,
na minha obrigação e no meu ganha-pão,
na minha diversão e na minha boa danação,
e nada disso carrega qualquer “pecado profano”

Qual é a minha religião, a minha igreja e a minha fé?
Apenas o meu chão aonde ando titubeante,
onde tropeçam os meus pés
de mero caminhante.

by Brumbe © 2015, tentando recobrar a fé no mundo.

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Circo de Papel


Circo de Papel
(um pequeno conto-crônica sobre os primeiros escritos dela,
em papel pautado, espiralado, encadernado e não amassado!)

– Vô, vamos fazer uma história?
Ela abriu um dos seus livrinhos pra criança, só com figuras para colorir, e o assunto do livrinho era personagens, situações e coisas de circo. E isso me fez lembrar o que ela havia me perguntado há poucos dias a respeito de livros.
– Vô, qual o livro que você mais gosta?
E eu, depois de ficar meio espantado, abobado e atrapalhado, respondi que gosto de muitos. Mas, minutos depois, acrescentei que havia um que eu gostava de modo especial e que se encaixava bem na questão do momento da repentina e inusitada pergunta, que era “Alice no País das Maravilhas” (e eu até achei, na web, uma versão muito boa, resumida e adaptada, para crianças). Mas, isso já é uma outra história...
Esta história de circo, sua primeira história formalmente escrita em papel e que, conforme pode ser observado nas duas fotos da sinopse, em anexo, foi simultaneamente redigida em arabesco, latim, sânscrito, senegalês e mandarim, é a que vamos contar agora.
Porem, primeiro, vamos fazer um pequeno relato a respeito do processo de criação e produção da historia: cada linha escrita no bloquinho dela corresponde a uma página do livrinho, e eu só podia virar a página depois que ela completasse a historia de cada figura, escrevendo até o fim de cada linha – e ai de mim se eu quebrasse essa ordem, vinha bronca e esculacho geral!
– Vô, não vira ainda não!!! – Já tô acabando essa...
– Agora pode virar, Vô! – Agora, poooddeeee!!!
– O quê que será que vem agora?! – Vamos ver!!!
Era uma figura de palhaço, e eu dizia: Tá com chapéu vermelho cm uma fita amarela e uma flor verde encima e tem calça larga azul e camisa xadrez marron e branca e sapatões da cor de laranja madura, e é um palhaço que gosta muito de fazer palhaçadas. E ela completava: e a bailarina de vestido azul brilhante de princesa tá voando no alto com uma bolsa vermelha cheia de pipoca pra jogar pros meninos e pros passarinhos que moram na árvore amarela que tem lá atrás da montanha marron de terra verde da rua da pracinha que tem enfrente à casa da vovó branquinha.
E lá fomos nós, viajando em página por página do livrinho e em linha por linha do bloquinho, interpretando livre, alegre e levemente, traduzindo e transpondo, as figuras de um nas linhas do outro.
Eu: é uma foca cor de rosa com um chapéu de palhaço amarelo na cabeça se equilibrando encima de uma bola vermelha cheia de estrelinhas prateadas.
Ela: e o macaquinho amarelo doido com calça preta de papel e camisa de bóia azul pulou no rio do céu fazendo piruetas e cambalhotas pra roubar pirulito do menino verde de verdade que morava na floresta encantada de branco do coelhinho cinza da lagoa vermelha do sítio do jacaré fraquinho (porque não papava direito) e do leão fortão (porque comia um tantão).
E, assim, a gente foi saltitando, malabareando e trapeziando através das páginas daquele livrinho multicolorido e super divertido.
É o corajoso trapezista prateado saltando no ar azul...
É a linda fada azul colhendo balas de prata pras crianças...
E isso aconteceu assim simplesmente porque acontece assim nos ilustres e respeitáveis espetáculos circenses: às vezes mais vale o que viaja pela livre e pura imaginação do que o que se vê e se ouve na dita realidade (que, às vezes, é pura enganação).
É que, mais do que a bela e doce magia que os olhos vêem, os ouvidos escutam e a pele sente, vale também, e por vezes muito mais, o que o coração cria, a alma imagina e o espírito sonha.

Fotos: os primeiros escritos, em letras formais e convencionais, da Clara, aos quatro anos e menos um mês de idade.
O livrinho que inspirou essas historinhas dela: Colorir – vol. 2, com ilustrações de Pascale Junker – Editora Libris.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Do Arpoador ao Computador


Do Arpoador ao Computador

Às vezes, estou no computador
e sinto uma vontade danada
de ir pra pedra do Arpoador.
Ou, se já estou no Arpoador,
tenho uma necessidade urgente
de voltar pro computador.
Quando eu morava em Ipanema,
era um pouco diferente,
não tinha esse problema.
Ir e vir não causava tanta dor.
Mas, agora, moro no Leblon,
o que também é muito bom.
Porém, me trás esse dilema:
Como transitar, seja como for,
sem dorflex nem naldecon,
nesse vai e vem da dor?

by Brumbe © 2004, perdido nas areias
do canal do Jardim de Alah