segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Interlagos, Bahia


 
Interlagos, Bahia.

Lugar geográfico: 12º48’20’’S, 38º12’31’’W. Lugar geométrico de rotas solares e caminhos lunares, lugar comum de alta incidência de luz natural, altos índices de luminosidade solar e iluminação humana – também natural, orgânica, física, astral, espiritual –, abençoado com muita água, muito ar, muito vento, muito mar, muita brisa marítima.        

Lugar incomum de vários janeiros, muitos verões, passados, presentes e futuros. Quatro recentes, consecutivos: dez, onze, doze, treze.

Lugar de horizontes planos, planificados, que, além da praia e do mar, oferece nascentes e poentes, seja de sol, seja de lua, exatamente simultâneos, em horizonte opostos, é claro – nascentes e poentes pra se assistir e curtir por, no mínimo, 24 horas ininterruptas: um sol nascente, um sol poente e uma lua nascente, a mesma lua poente, e o mesmo sol novamente nascente, e tudo isso num céu absolutamente limpo, luminescente. 

Nos caminhos pras praias – oitocentos passos, quatrocentos metros –, Rua das Palmeiras, Clube, Rua da Cascata, Beco do Catarino, pisando nas calçadas de pedras quentes das dez às dezessete, antigamente gostava de ir descalço mesmo, agora só de sandálias, senão queima os pés. Aumento do aquecimento global ou da sensibilidade pessoal?

O paredão do casarão vermelho-alaranjado, alvo-referencial, de Arembepe cada vez mais perto e com cada vez mais areia pra vencer. Antes eram 6km de praia, agora parecem 8! Aumento do nível dos mares, inundação oceânica, esticando praias, ou simplesmente aumento do meu cansaço?

As longas e cotidianas caminhadas de guarita-a-guarita, sempre o mesmo caminho sempre diferente – areias, águas e marés sempre diferentes –, com pessoas sempre diferentes na praia quase sempre deserta.

Pisando na areia, nas suas partes mais firmes, finas e aveludadas, os pés sentindo quase o mesmo que as mãos sentem quando tocam os corpos das mulheres amadas.  

Os canais e os lagos entre terras, os Interlagos, em níveis mais baixos que os normais. As areias branco-amareladas, ou amarelo-esbranquiçadas, são as mesmas, ladeando os caminhos e as trilhas. Ciclovias, vias de gente, caminhos pra onde? Parecem caminhos que percorri muito em outras terras. Em Brasília, no Rio? Não sei, mas há algo de muito semelhante nestes caminhos.

Uma ilhota abandonada no meio do canal quase seco e uma ponte quebrada que dava acesso à ilhota, constantemente me lembram duas músicas: a do “como é que faz pra chegar na ilha? pela ponte, pela ponte” do Lenine, e a do “vou tomar banho de canal quando a maré encher” do Chico Science.       

O vento, a brisa, constantes, ininterruptos, refrescantes, lembrando os lugares onde isso é raro ou não há, justamente porque quando isso há lá, me faz lembrar de cá, e de desejar aqui estar.

Centenas de fitinhas de papel prateado dependuradas nas travessas transversais do grande toldo recém-instalado ao lado da piscina. Fitinhas constantemente tremulando e cintilando ao vento e ao sol. Memórias dos vários reveions, inclusive o do milênio, mas não desse último, que aqui não passei. Mas, as fitinhas de papel prateado cintilante lá estão como que acenando pra mim, murmurando, falando, de todas as pessoas que estiveram ali, comemorando o ano-novo debaixo desse festivo grande toldo de lona branca também prateada. Lugar também muito bom pra se deitar numa espreguiçadeira depois do almoço: essas fitinhas brilhando e balançando são um sonífero perfeito.    

Crianças brincando no pula-pula, pulando tanto que o último pulo, na cama, certamente não é percebido, não é sentido, pois já caem adormecidas.

Sentado no quiosque da churrasqueira, bebendo uma piriguete ou um wiskinho com gelo de água de coco, ouvindo Gal, Tim e Vercilo,

Festança pra comer caranguejo, pra quem está acostumado a comer só queijo; queijo passaporte para entrada de mineiro na Bahia, em contraposição ao camarão que é o passaporte deles pra entrar em Minas.

A filha que voltou muito cedo pra BH, e muita saudade deixou por cá. Filhos costumam muito fazer isso: te levam pra um lugar e depois vão embora mais cedo, deixando a gente, literalmente, na saudade. Problema ou culpa deles? Não! É o trabalho que chama. Fazer o que?

E uns danados de uns urubus que fizeram ninho em cima da lage da caixa dágua e quebraram a antena de tv broadcasting! Pois é, esses urubus ficam por aí espalhando largamente as suas asas, do canal para a casa e da casa para o canal, e a gente sem poder ver nenhum canal porque os urubus quebraram a antena de tv broadcasting.

Um calor total – ah, se não fosse essa brisa constante! –, uma moleza no corpo, um torpor paralisante, um caminhar devagar, quase parando, fazem entender a – e dar razão à – boa preguiça do povo dessas terras. Simplesmente não dá pra fazer nada com pressa por aqui!

Entendendo também o verdadeiro espírito e propósito das “lavagens de rua”: não é a rua que se lava, mas, sim, as próprias pessoas que passam pela rua, à frente e atrás do trio-elétrico. Lava-se por dentro, com muita cerveja, e por fora, com muita água mesmo.   

Amália a dona da casa, Melissa, Gerson, Beatriz, Enzo, Sofia, Túlio, Manuela, Karine, Lúcia, Dulce, Roberto, Ana Cecília, Mara Mércia, Bruno, Mirela, Maria, Paulo, Heloísa, Bruninho, Priscila, Luis Roberto, Ricardo, Fernanda, Taiana, Fábio, Miguel, Luciano, e quem mais veio, e quem mais virá.

Hora de ir embora, segunda-feira, 9 da manhã, casa vazia, só eu, condomínio deserto, nem eu, praia absolutamente sem ninguém, olhando pros dois lados, norte e sul, até onde a vista alcança, ninguém, nem na areia nem na água. Só eu, eu só. Vamos embora, que é hora.

E no final, na saideira, um brinde muito especial! Muito mais que um brinde: uma saudação, uma louvação e uma gratidão ao meu grande amigo e concunhado Milton – que hoje caminha em praias superiores, pisa em areias multicores –, o cara que construiu esse pedaço de paraíso pra gente. Salve, Miltão!

Até 2014! Até o consecutivo quinto janeiro, que pode ser no cinco fevereiro!


sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Descocando Toes

Descocando Toes  

Os fordianos norte-americanos da Ford, quando aqui chegaram, fundaram, nesse nosso nordestino litoral cheio de coqueiral, um particular condomínio residencial para segregariamente abrigar suas famílias norte-americanas.
O tal condomínio foi denominado de Toes, em homenagem a John BigToe, ou João Dedão, um norte-americanamente famoso médico proctologista, favorito do segmento masculino da tal comunidade fordiana, para todo e qualquer mal-estar ou doença, de uma simples dor-de-cabeça a graves distúrbios neurológicos.
Voltando ao condomínio: como essa região era cheia de coqueirais que afloravam em, e florestavam por, todos esses litorais, obviamente era cheia de cocos que freqüente e abundantemente caiam e rolavam pelo chão, bem como em outros lugares onde eram menos desejáveis e mais prejudiciais como telhados, carros e cabeças.
Principalmente nos verões, épocas das maiores safras de cocos, o problema coqueiral era mais infernal para os norte-americanos da ford, for all, pois seus imensos carros, telhados e cabeças, por serem sempre maiores que os dos nativos normais, sofriam mais com as precipitações coco-gravitacionais. E todos os anos lá estavam eles, de dezembro a março, limpando cocos dos seus jardins, telhados e quintais.
Mas, um baiano muito esperto e inteligente, esperto e inteligente como todo bom baiano, chamado Ramiro Azambuja – baianamente conhecido na praça como “bra” –, que trabalhava como caseiro numa casa próxima do condomínio, vendo as agruras anuais dos coco-despreparados e desesperados norte-americanos feudais, digo fordiais, teve uma boa idéia, daquelas geniais: montar uma empresa de limpeza de quintais, especializada em remoção de cocos, para descocar todas as casas do condomínio e outras tais.
E para tal empreitada, como sozinho não daria conta, ele chamou para ser sócia-ajudante uma amiga sua chamada Betânia Ramirez, mais conhecida como “br”, que há anos trabalhava, insatisfeita, como frentista num posto BR localizado em frente à entrada do condomínio.
Acontece que, visto que a grande maioria dos norte-americanos mal, ou nada, conhecia da língua portuguesa, o “bra” inventou uma forma mais simplificada de escrever um cartaz publicitário que mandou afixar na entrada do condomínio, cuja função era informar que ele e sua amiga faziam trabalhos de descocamento, e garantiam a total satisfação dos norte-americanos, o qual ficou assim: Bra descocar toes com Br: smiles. O que, logo, logo, foi colocado no site da empresa na internet como: bradescocartoes.com.br/smiles.
O negócio deu tão certo e rendeu tanto que Bra e Br acabaram transformando a sua amizade e sociedade em casamento, no civil e no religioso, e, mais tarde, quando o seu primeiro filho nasceu, Bra mandou fazer outro cartaz, onde convidava os norte-americanos para a festa do nascimento do seu bebê com a Betânia, simplesmente escrevendo: bra convida pra festa de bb com br.   

 
Notas totalmente sem importância (exceto a segunda):
1 – Criei essa mini-crônica no vôo BH/Salvador de 25/01/13, quando, depois de ler tudo de interessante que havia para ler na revista de bordo – a matéria sobre o Caetano Veloso e seus 70 anos, era a única! –, fiquei o resto da viagem, cerca de 80 minutos, como os olhos bem abertos fixados, vidrados, no lenço do encosto para cabeça do assento da frente, onde estava escrito, o mesmo que estava escritos em todos os outros lenços de encosto para cabeça de todos os assentos: bradescocartoes.com.br/smiles e bb.com.br.   
2 – O Bradesco ou o Banco do Brasil estão terminantemente desautorizados a utilizar essa crônica como peça publicitária de qualquer espécie e por qualquer meio.
3 – Em toda e qualquer viagem, principalmente de avião, o bom mesmo, o mais salutarmente recomendável, a fazer, na falta de coisa melhor, é simplesmente dormir, para se evitar a tentação de fazer besteiras, tal como criar bobagens desse tipo.