sexta-feira, 2 de agosto de 2013

The doubt essential to faith

(tradução em Português, logo adiante)


author of  “The First Muslim”, a new look at the life of Muhammad.



Muhammad did not come floating off the mountain as though walking on air. He did not run down shouting, "Hallelujah!" and "Bless the Lord!" He did not radiate light and joy. There were no choirs of angels, no music of the spheres, no elation, no ecstasy, no golden aura surrounding him, no sense of an absolute, fore-ordained role as the messenger of God. That is, he did none of the things that might make it easy to cry foul, to put down the whole story as a pious fable. Quite the contrary. In his own reported words, he was convinced at first that what had happened couldn't have been real. At best, he thought, it had to have been a hallucination -- a trick of the eye or the ear, perhaps, or his own mind working against him. At worst, possession -- that he'd been seized by an evil jinn, a spirit out to deceive him, even to crush the life out of him. In fact, he was so sure that he could only be majnun, possessed by a jinn, that when he found himself still alive, his first impulse was to finish the job himself, to leap off the highest cliff and escape the terror of what he'd experienced by putting an end to all experience.


This might be somewhat difficult to grasp now that we use the word "awesome" to describe a new app or a viral video. With the exception perhaps of a massive earthquake, we're protected from real awe. We close the doors and hunker down, convinced that we're in control, or, at least, hoping for control. We do our best to ignore the fact that we don't always have it, and that not everything can be explained. Yet whether you're a rationalist or a mystic, whether you think the words Muhammad heard that night came from inside himself or from outside, what's clear is that he did experience them, and that he did so with a force that would shatter his sense of himself and his world and transform this otherwise modest man into a radical advocate for social and economic justice. Fear was the only sane response, the only human response.


If this seems a startling idea at first, consider that doubt, as Graham Greene once put it, is the heart of the matter. Abolish all doubt, and what's left is not faith, but absolute, heartless conviction. You're certain that you possess the Truth -- inevitably offered with an implied uppercase T -- and this certainty quickly devolves into dogmatism and righteousness, by which I mean a demonstrative, overweening pride in being so very right, in short, the arrogance of fundamentalism. It has to be one of the multiple ironies of history that a favorite expletive of Muslim fundamentalists is the same one once used by the Christian fundamentalists known as Crusaders: "infidel," from the Latin for "faithless." Doubly ironic, in this case, because their absolutism is in fact the opposite of faith. In effect, they are the infidels. Like fundamentalists of all religious stripes, they have no questions, only answers. They found the perfect antidote to thought and the ideal refuge of the hard demands of real faith. They don't have to struggle for it like Jacob wrestling through the night with the angel, or like Jesus in his 40 days and nights in the wilderness, or like Muhammad, not only that night on the mountain, but throughout his years as a prophet, with the Koran constantly urging him not to despair, and condemning those who most loudly proclaim that they know everything there is to know and that they and they alone are right.





Could Muhammad have so radically changed his world without such faith, without the refusal to cede to the arrogance of closed-minded certainty? I think not. After keeping company with him as a writer for the past five years, I can't see that he'd be anything but utterly outraged at the militant fundamentalists who claim to speak and act in his name in the Middle East and elsewhere today. He'd be appalled at the repression of half the population because of their gender. He'd be torn apart by the bitter divisiveness of sectarianism. He'd call out terrorism for what it is, not only criminal but an obscene travesty of everything he believed in and struggled for. He'd say what the Koran says: Anyone who takes a life takes the life of all humanity. Anyone who saves a life, saves the life of all humanity. And he'd commit himself fully to the hard and thorny process of making peace.

Lesley Hazleton is a psychologist by training and Middle East reporter by experience. British-born, she has spent the last ten years exploring the vast and often terrifying arena in which politics and religion, past and present, intersect. She's written about the history of the Sunni/Shi'a split, as well as books on two of the Bible's most compelling female figures: Mary and Jezebel.
Her latest book is The First Muslim, a new look at the life of Muhammad, the founder of Islam. In researching her book, she sat and read the full Koran again -- exploring the beauty and subtlety in this often-misquoted holy book. As she says: " I’m always asking questions — not to find “answers,” but to see where the questions lead. Dead ends sometimes? That’s fine. New directions? Interesting. Great insights? Over-ambitious. A glimpse here and there? Perfect."


Transcrição de palestra proferida e publicada no site TED (Technology, Entertainment and Design), em Junho-2013.
 

A dúvida essencial para a fé


Autora de “O Primeiro Muçulmano”, um novo olhar sobre a vida de Maomé

Escrever biografias é uma coisa muito estranha. É uma viagem através do território estrangeiro da vida de outra pessoa, uma jornada, uma exploração que pode levá-lo a lugares onde você nunca sonhou ir e ainda assim deixá-lo em dúvida se realmente esteve lá, especialmente se, como eu, você for um judeu agnóstico e a vida que você estiver explorando for a de Maomé.

Cinco anos atrás, por exemplo, eu acordava cada manhã na nebulosa Seattle perguntando a mim mesma uma coisa cuja resposta eu sabia ser impossível: O que realmente aconteceu naquela noite no deserto, quando metade do mundo e quase metade da sua história se afastaram de nós? Isto é, o que de fato aconteceu naquela noite do ano 610, quando Maomé recebeu a primeira revelação do Corão, nas montanhas dos arredores de Meca? Aquele foi o momento místico central, fundamental, do Islamismo, e como tal, é claro, ele desafia análises empíricas. Ainda assim, a questão não me deixaria tão facilmente. Eu estava plenamente ciente de que para alguém tão leigo como eu, o simples fato de questionar isto poderia parecer muita pretensão e arrogância. E eu chamei para mim mesma toda a responsabilidade, porque toda exploração, física ou intelectual, desse tipo, inevitavelmente é, em certo sentido, um ato de transgressão, de ultrapassagem de fronteiras.

Mesmo assim, algumas fronteiras são mais extensas do que outras. Então, um ser humano ter se encontrado com o Divino, como os muçulmanos acreditam que Maomé conseguira, para os racionalistas não é um fato real, mas simples desejo, fé, pura ficção, e, como todos nós, eu me considero racional. O que pode ter sido o caso, porque quando eu analisei os antigos documentos que nós temos sobre aquela noite, o que mais me impressionou não foi o que aconteceu, mas, sim, o que não aconteceu. 

Maomé não saiu flutuando da montanha, como que caminhando no ar. Ele não desceu correndo e gritando “Aleluia!” e “Abençoado Senhor!”. Ele não irradiou luz e felicidade. Não havia um coro de anjos, nenhuma música celestial, nem êxtase, nem orgulho e felicidade, nenhuma aura dourado em torno dele, nenhum sentido de absoluto, como portador de lei divina, como mensageiro de Deus. Isto é, ele não fez nenhuma das coisas que poderiam facilmente fazer chorar os crentes, sacramentando toda a história como grande fábula de fé e devoção. Muito pelo contrário, de acordo com as suas próprias palavras escritas, ele estava totalmente convencido de que o que tinha acontecido não poderia ter sido real. No melhor dos casos, ele pensara, aquilo tinha que ter sido uma alucinação – uma ilusão dos olhos ou dos ouvidos, talvez, ou sua própria mente enganando-o. No pior dos caos, uma possessão – que ele teria sido possuído por um demônio, um espírito maléfico e enganador, disposto até mesmo a tirar sua vida. Na verdade, ele estava tão seguro de que somente poderia ter sido possuído pelo diabo, que quando ele percebeu que ainda estava vivo, seu primeiro impulso foi acabar logo com aquilo, pular fora da alta montanha e escapar do terror que ele havia sentido, pondo um fim a toda aquela experiência.

Então, o homem que desceu da montanha naquela noite estava tremendo não de alegria e júbilo, mas de completo medo primitivo, animal. Ele estava dominado não por convicção, mas por dúvida. E aquele pânico desorientado, aquela perda de sentido de tudo que fosse familiar, aquele assustador conhecimento de alguma coisa muito além da compreensão humana, somente poderia ser classificado como um terrível pavor. De alguma forma, hoje pode parecer difícil entender que usemos a palavra “apavorante” para descrever um novo aplicativo de internet ou um vídeo viral. Com exceção, talvez, dos grandes terremotos, nós estamos protegidos do pavor real. Nós fechamos as portas de nossas casas e nos enclausuramos convencidos de que tudo está sob controle, ou, pelo menos, esperamos que esteja. Nós fazemos o máximo para ignorar que nem sempre é assim, e que nem tudo pode ser explicado.

Ainda que você seja racionalista ou místico, que você pense que as palavras que Maomé ouviu naquela noite vieram de dentro dele ou de fora, o que está claro é que ele as experimentou, e que ele as percebeu com uma força tal que teria abalado seu sentido de si próprio e de seu mundo, e transformado este outrora modesto homem em um radical defensor da justiça social e econômica. Medo era a única resposta sensata, a única resposta humana.

Demasiadamente humana para alguns, como os teólogos muçulmanos conservadores que sustentam que a razão do seu desejo de se matar não deveria sequer ser mencionada, apesar do fato disso estar registrado nas mais antigas biografias islâmicas. Eles insistem que ele jamais duvidou por um momento sequer, mesmo sozinho e desesperado. Exigindo perfeição, eles, tais teólogos, se negam a tolerar a imperfeição humana. Mas o quê, exatamente, há de imperfeito na “dúvida”? Enquanto lia aqueles documentos antigos, me dei conta de que era precisamente a Dúvida de Maomé o que o trazia vivo perante mim, o que me permitia começar a vê-lo inteiramente, ambientá-lo à integridade da realidade. E quanto mais eu penso nisso, mais faz sentido que ele tenha duvidado, porque a dúvida é essencial para a fé.

Se à primeira vista isto lhe parece uma idéia surpreendente, considere que a dúvida, como Graham Greene uma vez colocou, é o coração da questão. Abolindo toda dúvida, o que resta não é fé, mas a mais absoluta convicção sem coração. Você está certo de que possui a Verdade – inevitavelmente ofertada com um subentendido V maiúsculo – e isto certa e rapidamente se transforma em dogmatismo e código de conduta, pelos quais eu percebo a demonstração de um orgulho presunçoso em ser tão absolutamente direito, ou seja, a arrogância do fundamentalismo. Tinha que ser uma das muitas ironias da história que uma exclamação, ou denominação, favorita do fundamentalismo muçulmano seja a mesma várias vezes utilizada pelos fundamentalistas cristãos conhecidos como Cruzados: “infiel”, que vem do Latim e significa “não fiel”, “sem fé”, “pagão” ou “não religioso”. Duplamente irônico, neste caso, porque o seu significado absoluto é, de fato, o oposto de “fé”. Realmente, eles são os infiéis. Como os fundamentalistas de toda e qualquer religião, eles não têm questionamentos a fazer, apenas respostas a dar. Eles encontraram o antídoto perfeito contra o pensamento livre e o refúgio ideal perante as difíceis exigências da verdadeira fé. Eles não tiveram que lutar por isso, como Jacob digladiou com o anjo por toda a noite, ou como Jesus se martirizou nos seus 40 dias e noites no deserto, ou como o próprio Maomé lutou, não somente naquela noite na montanha, mas através de anos e anos como profeta, com o Corão constantemente insistindo para que ele não perdesse a esperança, condenando todos aqueles que mais bravata e ruidosamente proclamavam que sabiam de tudo o que havia para saber, e que eles, e somente eles, é que estavam certos.

E todos nós, a imensa e, ainda por demais, silenciosa maioria, temos cedido muito terreno e a cena pública para essa minoria de extremistas. Nós permitimos que o Judaísmo fosse utilizado para justificar os assentamentos de colonizadores messiânicos violentos na Cisjordânia, que o Cristianismo fosse dominado por homofóbicos hipócritas e misogínicos fanáticos, que o Islamismo fosse contaminado por homens-bomba suicidas. E nos deixamos ficar cegos para o fato de que não importa se eles se proclamam Cristãos, Judeus ou Mulçumanos. Militantes extremistas não pertencem a nenhuma dessas três grandes religiões. Todos eles pertencem a uma outra seita própria: irmãos de sangue pisando no sangue de outras pessoas.

Isto não é fé. Isto é fanatismo, e nós temos que parar de confundir os dois. Nós temos que reconhecer que a verdadeira fé não tem respostas fáceis. Isto difícil e árduo. Isto implica numa luta constante, num contínuo questionamento sobre o que nós achamos que sabemos, uma batalha entre perguntas e idéias. E isto sempre caminha lado a lado com a dúvida, numa interminável conversação, e algumas vezes em conscientes desafios mútuos.                                                                                
E este desafio é consciente porque eu, como agnóstica, posso ainda ter fé. Eu tenho fé, por exemplo, que a paz no Oriente Médio é possível apesar do acúmulo maciço de evidencias em contrário. Eu não estou convencida disso. Eu posso firmemente dizer que acredito nisso. Eu posso somente ter fé nisso, entregando-me à idéia disso, e faço isso precisamente devido à tentação de erguer minhas mãos em resignação, baixar a cabeça e me retirar em silêncio.

Porque a desesperança se auto-alimenta, e se nós achamos que algo é impossível, nós agimos dessa forma e fazemos para que assim seja. E eu, por minha vez, me recuso a viver dessa maneira. Na verdade, a maioria de nós é assim, não importa se somos ateus ou crentes ou alguma coisa entre ou além disso, porque o que importa, o que nos guia, é que, apesar das nossas dúvidas ou mesmo por causa delas, nós rejeitamos o niilismo da desesperança. Nós insistimos em ter fé no futuro e em cada um de nós. Chame isso de ingenuidade, se você quiser. Chame isso de idealismo impossível, se você precisar. Mas uma coisa é certa: precisa chamar isso de humano.

Poderia Maomé ter mudado tão radicalmente seu mundo sem tal fé, sem ter se negado a ceder à arrogância da certeza das mentes fechadas? Eu penso que não. Depois de ter mantido contato com ele, como escritora, nos últimos cinco anos, eu não consigo ver que ele pudesse ter se sentido nada menos do que profundamente ultrajado pelos militantes fundamentalistas que proclamam falar e agir em seu nome no Oriente Médio ou em qualquer lugar, hoje. Ele teria se assustado com a repressão de metade da população por causa do seu gênero (mulheres). Ele teria ficado dilacerado vendo a cruel divisão do sectarismo. Ele teria classificado o terrorismo pelo que ele é, não apenas como ato criminoso, mas como uma obscenidade travestida de tudo em que ele acreditava e por que lutava. Ele teria dito o que o Corão diz: Qualquer um que tire uma vida, tira a vida de toda a humanidade. Qualquer um que salve uma vida, salva a vida de toda a humanidade. E ele teria se entregado inteiramente ao duro e espinhoso processo de fazer a paz.